terça-feira, 18 de novembro de 2014

"Seu comunista! – ou a arte de argumentar com quem fala por clichês" (via @blogdosakamoto) #tragicomicamentefantastico


Tragicomicamente fantástico o texto "Seu  comunista! – ou a arte de argumentar com quem fala por clichês" do jornalista Leonardo Sakamoto.

 Inspirado no recente espírito exaltado da classe média brasileira que ganhou corpo no período eleitoral e que segue lutando para não esvaziar-se, a postagem de Sakamoto cata um conjunto de clichês vomitados pelos arautos da "democracia via ditadura militar" e os transforma em um "diálogo" entre um eleitor de Aécio que veste camisa vermelha e um dos "clicheteiro anti-petralha".

Vale demais a leitura e a reflexão.

"Seu comunista! – ou a arte de argumentar com quem fala por clichês"


- Petralha! Petralha!
- Desculpe, é comigo?
- Petralha imundo! Desgraçado! Corrupto! Boçal! Seu idiota intolerante!
- Acho que você está me confundindo. Votei no Eduardo Jorge no primeiro turno e no Aécio, no segundo.
- Vermelho é a cor dos comunistas do PT!
- Mas eu votei no Aécio!
- Comunista assassino! Defensor de ideologia genocida!
- Meu amigo, nem eu sou do PT, nem vermelho é monopólio de comunista, nem sou comunista, nem o PT é comunista. Aliás, nem o PT é de esquerda mais.
- Vermelho é comunista!
- Claro, Papai Noel veste vermelho por conta de uma marca de refrigerantes que está tramando a revolução.
- Você tá num país livre! Cala a boca e volta pra Cuba, seu cretino!
- Voltar como se eu não vim de lá?
- Vai morar na Venezuela, na Coreia do Norte.
- Não consigo nem tirar um final de semana para descer para Mongaguá, que dirá Venezuela…
- Tenho ódio de vocês! Se você gosta de pobre, por que não viver com eles? Mas o circo está fechando! Seus amigos vão todos parar na Papuda!
- Não, meus amigos vão todos lá para a Vila Madalena, hoje à noite, porque tem roda de samba no Ó do Borogodó.
- Então, você aprova o mensalão!
- Não, aprovo o samba.
- Tô cansado de tudo isso! Tô cansado de vocês afundarem o Brasil com o dinheiro dos meus impostos!
- Meu amigo, acho que você não está bem. Você tá ficando vermelho…
- Cala a boca! Vermelho é cor de comunista!
- Meu Deus…
- Se eu não fosse alguém de paz, já teria te enchido de porrada para parar de falar mentira. O PT é que criou a pobreza, a divisão entre ricos e pobres e a luta de classes.
- Não sou petista, mas desconfio que isso seja um pouco mais antigo. Quando eu falo com meus alunos…
- Seu bandido! Os comunistas colocaram representantes nas escolas para doutrinar nossas crianças! Você deveria ser preso! Morra! Moooorraaaaaa!
- Como na época da ditadura?
- Saudades da época em que comunistas não podiam nos fazer mal. Deve estar ganhando um por fora para defender a Petrobras, mensaleiro dos infernos, ladrão, corrupto!
- Se tivesse, acha que estaria a pé para economizar o dinheiro do bumba?
- No dia em que os militares restituírem a ordem você vai ver. Vai ser o primeiro a ser preso para parar de roubar os cofres públicos! Vamos acabar com todas essas bolsas-esmolas e botar o povo no eixo, fazê-los trabalhar, que é trabalhando que se conquista a dignidade.
- Arbeit macht frei?
- O governo controla minha liberdade de expressão, não posso falar o que penso mais! Sou censurado!
- Imagina se pudesse.
- O Brasil está acabando.
- Nisso concordamos.
(Todos os clichês utilizados nesse diálogo são reais. Qualquer semelhança com o seu dia a dia não é mera coincidência.)

domingo, 21 de setembro de 2014

As regras da IV Internacional


Em 1938 o texto “A agonia do capitalismo e as tarefas da Quarta Internacional” tornava-se a carta de fundação da Quarta Internacional, um agrupamento de revolucionários de todo mundo disposto a colocar sua militância a serviço da revolução socialista mundial.
 
Uma entre tantas outras passagens marcantes do texto escrito por Leon Trotsky e que ficou conhecido como "Programa de Transição" é o capítulo que versa "Contra o oportunismo e o revisionismo sem princípios".

A conjuntura era de crise econômica mundial aberta a partir de 1929 com a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, vitória do fascismo na Itália e nazismo na Alemanha, guerra civil na Espanha e de preparação para uma segunda guerra imperialista. Do lado dos trabalhadores a III Internacional levava adiante a política derrotista de aliança com a dita "burguesia progressista" na forma da Frente Popular em especial na França e Espanha que desarmou o movimento de massas europeu em um período extremamente crítico. Enquanto isso, boa parte da esquerda não stalinista procurava "atalhos" e"novos caminhos que respondessem aos 'novos desafios'".

Diante desse quadro o programa da IV Internacional dizia: 
"Como sempre, em épocas de reação e de declínio, aparecem em todas as partes mágicos charlatães. Querem revisar toda a marcha do pensamento revolucionário. Em lugar de aprender com o passado, eles o 'corrigem'. Uns descobrem a inconsistência do marxismo, outros proclamam a falência do bolchevismo. Uns fazem recair sobre a doutrina revolucionária a responsabilidade dos erros e dos crimes daqueles que a traíram; outros maldizem a medicina porque não assegura uma cura imediata e miraculosa. Os mais audazes prometem descobrir uma panaceia e, na espera, recomendam parar a luta de classes. Numerosos profetas da nova moral dispõem-se a regenerar o movimento operário com a ajuda de uma homeopática ética. A maioria desses apóstolos conseguiu tornar a si próprios inválidos morais antes mesmo de descer ao campo de batalha. Assim, sob a aparência de novos caminhos só se propõe ao proletariado velhas receitas enterradas há muito tempo nos arquivos do socialismo anterior a Marx."
Já se vão 76 anos desde que essas linhas foram traçadas e sua regra sobre a recorrente aparição de "mágicos charlatães" segue atual. E diante deste mal, Trotsky afirmava a necessidade de declarar guerra implacável a todos os burocratas assim como "ao reformismo sem reformas, ao democratismo aliado à GPU, ao pacifismo sem paz, ao anarquismo a serviço da burguesia, aos 'revolucionários' que temem mortalmente a revolução'. Sem vencer tal praga, seu método e sua moral, que corrói por dentro o movimento operário não haveria como vencer a burguesia, dizia ele:
"Bons são os métodos e os meios que elevam a consciência de classe dos operários, sua confiança em suas próprias forcas, sua disposição à abnegação na luta. Inadmissíveis são os métodos que inspiram nos oprimidos o medo e a docilidade diante dos opressores; sufocam o espirito de protesto e revolta e substituem a vontade das massas pela vontade dos chefes, a persuasão pela pressão, a análise da realidade pela demagogia e a falsificação. Eis por que a socialdemocracia, que prostituiu o marxismo, e o stalinismo, antítese do bolchevismo, são os inimigos mortais da revolução proletária e de sua moral."
Por fim o enunciado das regras da recém nascida IV Internacional:
"Encarar a realidade de frente; não buscar a linha de menor resistência; chamar as coisas pelos seus nomes; falar a verdade às massas, não importa o quão amarga ela seja; não temer os obstáculos; ser verdadeiro nas pequenas coisas como nas grandes; basear seu programa na lógica da luta de classes; ser ousado quando a hora da ação chegar – essas são as regras da Quarta Internacional."
Em épocas como a que vivemos em nosso país, onde a Frente Popular consegue governar 12 anos sem nenhuma grande resistência do movimento de massas, onde uma nova crise econômica mundial mantém-se insolúvel tendo completado seu oitavo ano, onde o fascismo volta a fascinar setores, ainda que minoritários da classe trabalhadora, e onde o marxismo é renegado na prática ainda que reivindicado nas palavras é mais que fundamental retomar, compreender e aplicar o método do programa de transição.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Marina presidente pode ser o grande saldo dos 12 anos de conciliação da Frente Popular petista


Faltam poucos dias para o pleito eleitoral de outubro e, ao passo que vamos, o mais provável é que tenhamos Marina Silva como a próxima presidenta da república. Aécio Neves a cada dia mingua mais e mais e sua tendência é de seguir assim até tornar-se praticamente irrelevante. Já Dilma, carrega consigo o peso de ter administrado seus 4 anos no compasso da crise econômica mundial, acumulando desprestígio tanto no grande empresariado que busca alternativas para seguir com suas taxas exorbitantes de lucro, como com o setor médio da classe trabalhadora à espera de uma ascensão social que simplesmente não veio. A morte de Eduardo Campos e sua martirização pela grande imprensa durante duas semanas seguidas meio que blindou Marina Silva, que com um passe de mágica, tornou-se símbolo de uma "nova política". Muita água ainda há de passar por essa ponte e a candidata peesebista deve ainda apanhar um bocado até o dia 5 de outubro mas a hipótese mais provável até agora segue sendo sua vitória. A se confirmar tal tendência, encerra-se o ciclo de governos frente-populistas brasileiro e retoma-se um novo ciclo de governos burgueses típicos.

Desde o primeiro ano do mandato de Dilma os sinais do esgotamento da etapa de governos petistas já se apresentavam. As revoltas operárias de Suape, Jirau e Pecém em 2011 movimentando mais 50 mil trabalhadores eram a prova de que a camisa de força lulo-petista já não tinha o mesmo efeito que nos dois mandatos anteriores. Já as jornadas de junho de 2013 com mais de um milhão e meio de pessoas nas ruas em todo o país foram a demonstração final de que PT, PCdoB, CUT, UNE e MST não cumprem mais de modo eficiente seu papel de instrumentos de paralisia da luta popular. Por outro lado, a política de terra arrasada no campo das organizações do movimento de massas promovida pelos frente-populistas coloca a burguesia em uma situação privilegiada para retomar as rédeas do governo. Faltava nome de impacto e apelo popular que permitisse isso. Não falta mais.

Marina apesar de ser filha da classe trabalhadora, nem de longe é um "Lula de saia", nem muito menos o PSB e o Rede são similares ao PT. A história do PSB, ainda que se possa tentar resgatar passagens honrosas, não pode ser confundida com a história de um partido que rebentou no calor das greves operárias do final da década de 70 e em plena luta contra o regime militar. O PSB, ainda que leve a palavra "Socialista" em seu nome, é um partido da burguesia. Da sombra da burguesia, diga-se de passagem, mas ainda assim, da burguesia.

Um futuro mandato de Marina não representará um governo em que o movimento operário e popular empresta o peso pesado de seus quadros para salvar o grande empresariado de um momento de crise aberta ou que se avizinha. Este momento, o momento da Frente Popular, vai agora se fechando, após seus 12 anos de conciliação de classes, desorganização e desmoralização do movimento de massas. O grande preço que toda a classe pagará ao final desse período não será qualquer soma relacionada à corrupção ou assistencialismo e sim, a desconstrução de suas principais organizações forjadas no calor de décadas de lutas e greves, além do imenso salto para trás em sua própria consciência enquanto classe. E tudo isso feito em plena luz do dia sem que nenhuma organização se colocasse à altura de dar a efetiva e necessária batalha contra.

A marca do próximo governo burguês, ainda que possa pautar uma ou outra migalha social, será o de ataques aos direitos dos trabalhadores e à já solapada soberania brasileira.

Além disso é preciso considerar que o cenário mundial de crise econômica ainda não está superado. Avizinham-se mais guerras, mais crises e também mais revoluções. Infelizmente o grande vazio posto para o movimento operário segue sendo que a crise de direção revolucionária mundial não só segue como se aprofunda. Desde o Brasil perdemos uma excelente oportunidade para dar passos significativos rumo a sua superação, talvez a melhor das melhores oportunidades, como o argentino Nahuel Moreno localizou ao tratar de governos de Frente Popular. Nossas responsabilidades agora, são ainda maiores.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Algumas considerações sobre a doação da Zaffari ao PSOL (texto de Bruno Rodrigues)

Inaugurando seus textos no blog, meu camarada Bruno Rodrigues nos presenteia com algumas considerações sobre o episódio da doação da Zaffari ao PSOL no Rio Grande do Sul. Vale muitíssimo a leitura.

No começo deste mês, o PSTU explicitou em nota on-line, uma doação que a direção gaúcha do PSOL recebeu. Algo em torno de R$ 50.000,00 vindos do grupo Zaffari que seria rateado em R$ 35.000,00 para a campanha de Roberto Robaína, candidato ao governo do estado, e R$ 15.000,00 para a campanha da Luciana Genro à presidência da republica. A título de ilustração é bom saber que o grupo Zaffari é a quinta maior rede de supermercados do Brasil e a primeira do Rio Grane do Sul, sendo proprietário de 9 shoppings centers, com 9 mil empregados em suas 30 unidades no país e um faturamento bruto de R$ 3,7 bilhões em 2013. 

Tal fato em si não é novidade e pros mais atentos e experimentados, sequer chega a ser surpreendente, posto que Luciana Genro no passado recente, recebeu doação de R$100.000,00 do grupo Gerdau para sua campanha à prefeitura de Porto Alegre. Não só isso, também recentemente um dos dirigentes nacionais do PSOL, Martiniano Cavalcante, foi descoberto recebendo o valor de R$ 200.000,00 em empréstimo de uma das empresas-laranja de ninguém menos que...o bicheiro Carlinhos Cachoeira (Martiniano ao menos foi afastado).


Mas o pior não é isso.

O pior de tudo é o partido receber a tal doação, “selar, registrar, carimbar, avaliar e rotular“ tudo perante a justiça eleitoral e uma parte da sua militância aceitar tal fato, com um leque de argumentos dos mais exuberantes, indo do oportunismo ao sectarismo num rápido pestanejar. Alguns dizem que por não bater a cifra dos milhões (como nas doações às candidaturas de Dilma e Aécio) e tudo ser devidamente registrado, não ha o que contestar, se esquecendo que o critério não é o montante em dinheiro. O critério é NUNCA receber NADA de NENHUM setor da burguesia. Outros fazem bico perante a denúncia e assumem despudoradamente que é legitimo usar tal doação. Por fim, só uma pequena minoria se indigna, sem no entanto, romper. É uma tragédia, que militantes identificados com o socialismo saiam em defesa de doações da burguesia a uma corrente de esquerda, mesmo que tal burguesia seja pequena (o que não é o mesmo que pequena-burguesia). Mostram assim não só um desapreço pelo marxismo que ensina que acima de tudo, até de deus, esta a luta de classes com seus interesses inconciliávies em disputa, bem como relegam pra debaixo do tapete da história a trajetória do próprio PT de cuja costela saíram. O petismo não é só uma corrente reformista do movimento operário brasileiro gestado  nas greves de 70-80 e que tornou-se diretamente neoliberal. Ele representa todo um legado politico-metodológico-moral-intelectual, um "ethos" por excelência, que arrastou pro buraco da conciliação de classes nove-décimos da geração do ativismo brasileiro pós ditadura. Menosprezar esse fato é no mínimo um erro imperdoável.

Ao ignorar a experiência histórica do petismo, o PSOL segue o mesmo repertório já trilhado pelo PT com uma atuação marcadamente legalista-jurídica-eleitoral-parlamentar e sendo capaz de coligar-se com legendas burguesas e de aluguel apesar da fraseologia radical e das cores socialistas. O PT começou fazendo coligações com pequenos partidos da burguesia como o PDT do falecido latifundiário Leonel Brizola e hoje co-governa o país com o PMDB, sigla conhecida por ser a mais fisiológica e oportunista da burguesia brasileira. Das doações que recebia de seus militantes, o PT passou a ser das legendas que mais o empresariado brasileiro investe. Assim segue o PSOL. Recebem um tanto aqui, um tanto ali, se coligam com o PTB aqui, com o PV ali, com o PSB acolá...     


Há um velho ditado positivista que afirma que "os mortos governam os vivos". Com mais esse episódio, o PSOL prova que é ainda governado pelo ethos petista mesmo tendo rompido formalmente com ele lá pelos idos de 2003. Buscam nessas eleições se postular como o porta-voz dos descontentes de Junho/13 e como alternativa ao (falso) binário Dilma x Aécio, mas ao aceitarem de bom grado mais essa doação mostram somente que não passam de mais do mesmo. Em nada coadunam com a voz dos milhões de Junho. Em nada reverberam a voz das greves dos garis, petroleiros, metroviários... 


Não estamos diante de um episódio circunstancial. É um novo enterro do PT, que surgiu e se tornou tragédia, e que agora ressurge como farsa na forma PSOL.

PS: Resta só uma pergunta aos nossos camaradas do PSTU: Seguirão participando da Frente de Esquerda gaúcha e fazendo campanha para Robaína/Zaffari ou deixarão a justa denúncia no vazio? 

domingo, 10 de agosto de 2014

Um das muitas montagens descaradas para defender o massacre sionista em Gaza. #EstouComGaza

A imagem real de 2008 via MondoWeiss.


Nela, a escritora Anna Baltzer segura cartaz com o dizer "Eu sou de Austin Texas. Israel me pagaria para ir a terra dele porque eu sou judia". Ao seu lado, El-Zabri, fundador do site Palestine Online Store segura outro cartaz escrito: "Eu sou da Palestina. Eu não posso retornar à minha terra porque eu não sou judeu".

A recente falsificação via Israel na Web:


Afinal o genocídio precisa de muitas mentiras para se sustentar, não é mesmo?

sábado, 9 de agosto de 2014

A libertação de Hideki e Lusvargui – ou o nescau terrorista & a justiça playba (artigo fantástico de @lex_lilith)


Após 45 dias de encarceramento absolutamente absurdo, Fábio Hideki e Rafael Lusvarghi foram finalmente libertados na última quinta-feira, dia 07 de agosto. Por ocasião de sua libertação, o jornalista e escritor Alex Antunes publicou em seu blog no Yahoo!Notícias um excelente artigo com o título "A libertação de Hideki e Lusvargui – ou o nescau terrorista & a justiça playba". Antunes não se contenta em somente questionar o aprisionamento absurdo dos ativistas, enxergado mais do que corretamente por muitos como a manifestação de estado de exceção, para nosso deleite ele examina o papel da justiça, ou melhor dizendo, do juiz por trás da sentença e seus argumentos estapafúrdios como o de qualificar os rapazes de esquerda caviar comprovando a completa ignorância do magistrado.

Leitura recomendadíssima.

A libertação de Hideki e Lusvargui – ou o nescau terrorista & a justiça playba


A manutenção da prisão dos ativistas Fábio Hideki e Rafael Lusvarghi foi um escândalo que durou 45 dias. Foram presos em 23 de julho, após uma manifestação contra a copa em São Paulo, e indiciados como black blocs, pela suposta posse de materiais explosivos, entre outras acusações.

Acontece que havia inúmeras testemunhas em contrário. Desde o padre Júlio Lancelotti e outros presentes, que viram e filmaram a polícia vasculhando a mochila de Hideki, já dentro do Metrô, até o fato incontestável de que os dois não se conheciam (o que punha por terra a acusação de que fariam parte da “mesma organização criminosa”).

Hideki é estudante e funcionário da USP. Pacifista e vegetariano (não na prisão, onde sua dieta foi desrespeitada), não é adepto de práticas violentas. Já o professor de inglês Lusvarghi foi preso sem camisa, de kilt. Gosta de games, de vikings e de estratégia militar; já foi PM por curtos períodos, em São Paulo e no Pará, e tentou se alistar na Legião Estrangeira da França e no exército russo, tendo viajado bastante pelo exterior.

Ao contrário de Hideki, que é um ativista de trajetória mais ou menos padrão, Lusvarghi é um aventureiro. De certa forma exemplificam a variedade de tipos que foram para as ruas protestar desde as manifestações de junho de 2013 – mas certamente não têm nada em comum, e não configuram nenhum “modus operandi”.

Ou melhor, têm algo em comum sim. Nesta segunda-feira soube-se que a perícia da polícia (do Gate – Grupo de Ações Táticas Especiais e do IC – Instituto de Criminalística) determinou que os objetos que supostamente portavam não eram explosivos, e não tinham qualquer potencial agressivo ou destrutivo.

Uma garrafinha de nescau estaria com Lusvarghi, com tampa de papel presa por um elástico, e uma estranha lata estaria com Hideki – um frasco do fixador de corantes para tecidos Fix com um barbante passando por dentro. Fazem um belo aparato de guerrilha urbana, junto com a cândida e o pinho sol do morador de rua Rafael Vieira, que foi condenado a cinco anos de prisão no Rio de Janeiro, por carregá-los durante as manifestações do ano passado. Lembra as trapalhadas da ditadura militar. E seria ridículo, se não se tratasse da destruição da vida de cidadãos. As recentes investigações da polícia do Rio flagraram citações a um certo suspeito, Bakunin, que passou a ser investigado, como se estivesse vivo e no Brasil. O episódio se parece com as apreensões por engano, durante a ditadura, do romance A Capital, de Eça de Queiroz.

O advogado de Hideki, Luiz Eduardo Greenhalg, entrou já na terça-feira com um novo pedido de libertação. Duas questões se colocam, para além da grande questão da ilegalidade dessa prisão política, baseada em (ex) provas fraudadas (aqui neste site estão todas as informações sobre Hideki).

A primeira: porque um laudo da própria polícia se prestaria a invalidar as provas materiais – principalmente se elas foram plantadas? Uma teoria conspiratória mas atraente é a de que o governador Alckmin sabe que se a perícia “encontrasse” materiais explosivos, a percepção popular seria de que as provas e o laudo foram uma grande armação. Melhor dar um freio de arrumação no caso.

A outra é a estranha manifestação do juiz Marcelo Matias Pereira, da 10ª. Vara Criminal de SãoPaulo, do dia 01 de agosto, sexta-feira (antes do laudo, portanto), que naquela ocasião negou o pedido de revogação da prisão preventiva, mantendo Hideki e Lusvarghi presos. Escreveu o juiz em um trecho: “Além de descaradamente atacarem o patrimônio particular de pessoas que tanto trabalharam para conquistá-lo, sob o argumento de que são contra o capitalismo, mas usam tênis da Nike, telefone celular, conforme se verifica nas imagens, postam fotos no Facebook e até utilizam uma denominação grafada em língua inglesa, bem ao gosto da denominada esquerda caviar”.

Denominada... por quem, excelentíssimo senhor doutor juiz Pereira? A expressão “esquerda caviar” (que o blogueiro da Veja Rodrigo Constantino costuma usar), além de trazer um indevido conteúdo ideológico e fora dos autos para um despacho oficial, ainda é empregada, no caso, de maneira errada.

“Esquerda caviar” (“gauche caviar” na França, e seus similares “champagne socialist”, na Inglaterra, “limousine liberal” e “radical chic” nos EUA, “salonkommunist” ou comunista de salão na Alemanha, e outros que a Wikipedia lista) diz respeito à época contracultural em que o socialismo e as lutas civis ficaram chiques em alguns ambientes (de 1968 em diante).

O termo “radical chic” foi cunhado por Tom Wolfe em um artigo de 1970, "Radical Chic: That Party at Lenny's", que falava de uma festa do maestro Leonard Bernstein com seus amigos da elite culta para obter fundos para os Panteras Negras. Na França, o similar “caviar gauche” serviu para designar socialistas de hábitos poucos sóbrios, a começar por François Miterrand, presidente entre 1981 e 1995.

Ou seja, o uso constantino da expressão é uma distorção local (ainda mais) moralista. Que o blogueiro vende e que o ilustre juiz aparentemente comprou, de maneira quase inocente. A noção de que ativistas não deveriam calçar tênis de marca, postar no Facebook e usar termos em inglês (como quase todos os jovens fazem) parece esperar que os manifestantes atuais se comportem como proletários comunas caricatos do século passado. Sendo que os próprios proletários DESTE século já estão todos no Facebook. Constantino e a direita blogueira têm que decidir se a esquerda ortodoxa é arcaica e ultrapassada, como gostam de dizer, ou não.

Acontece que o juiz Pereira é o mesmo que inocentou Danilo Gentili de uma acusação de racismo, quando o “humorista” ofereceu bananas a um negro (o empresário Thiago Ribeiro), em 2012. E o desvio de significado começa a fazer sentido. Gentili é amigo de Constantino. Não espantam juízes conservadores – é um calo da profissão. Mas não se espera da justiça que ela se expresse como um playboy fanfarrão.

Na tarde de hoje, quinta-feira, diante do novo pedido de libertação com base no laudo, e da repercussão de sua sentença anterior, o próprio juiz Pereira finalmente mandou soltar Hideki e Lusvarghi. Um mês e meio de estado de exceção, baseado em coisa nenhuma, a não ser na determinação de reprimir a livre manifestação política.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

"Vagão rosa, para não ser encoxada" (artigo mais que oportuno de @brumelianebrum)


A escritora, repórter e documentarista Eliane Brum publicou hoje, 21/07, em sua coluna no El País um artigo mais que oportuno sobre o polêmico "vagão cor de rosa" aprovado no começo deste mês pela Assembléia Legislativa de São Paulo. Sobre o pretexto de combater a violência sexual no transporte público paulista, a lei cria vagões diferenciados somente para mulheres "garantindo" assim a segurança "necessária" para as vítimas de encoxamentos e até mesmo estupros no metrô. Uma solução extremamente simples... e medonha.

Em seu artigo Eliane chama atenção: "É alarmante que os protestos não sejam mais numerosos e barulhentos, dada a seriedade do que está em jogo. Em nome das supostas boas intenções de “proteger as mulheres”, o que se faz, de fato, é reforçar (...) ideias do senso comum (...) que persistem há séculos e estão na base da violência sexual."

De fato é alarmante, Eliane. Ainda mais alarmante, completaria eu, é ver setores do movimento de mulheres, setores de esquerda inclusive, defendendo a medida como uma vitória das mulheres paulistas. Torcemos verdadeiramente para que tais setores possam ser maduros o suficiente para rever seu apoio ao imenso retrocesso que tal lei representa.

Segue o artigo. Boa leitura a todos.

Vagão rosa, para não ser encoxada


Alô, mulheres. Se pegarem trem ou metrô em São Paulo, prestem atenção às orientações do sistema de som: “Se você estiver com vontade de ser violentada, ou ao menos receber uns apertões na bunda e nos peitos, siga para o vagão comum. Se estiver cansada, introspectiva, teve um dia difícil, está com TPM, vá para o rosa e viaje tranquila”. Uma excelente semana a todas.

Poderia ser uma piada ou um filme de horror futurista. Mas é sério e não é ficção distópica. Na prática, essa é a mensagem do projeto de lei aprovado em 4 de julho pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. De autoria do deputado Jorge Caruso (PMDB), ele cria um vagão exclusivo para mulheres no metrô e nos trens. Algo similar já existe no Rio de Janeiro. A lei poderá ser vetada ou sancionada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), candidato à reeleição, nos próximos dias. Na sexta-feira (18), feministas reuniram-se no centro da capital paulista para um ato em protesto contra a criação do “vagão rosa”.

Não é muito, mas muito estranho mesmo?

Estamos em 2014, há uma mulher na presidência do Brasil. Mas acredita-se necessário criar um vagão só para mulheres nos trens de transporte público da cidade mais cosmopolita do país. Por quê? Porque, se ficarem misturadas aos homens, as mulheres serão encoxadas, apalpadas, abusadas e até estupradas. E é verdade, tudo isso acontece. Tanto que um grupo feminista fez recentemente uma campanha distribuindo alfinetes para as moças enfiarem nos abusadores do metrô.

É bizarro. Diante de uma mulher, num espaço apertado, atulhado de gente, alguns homens sentem-se autorizados a abusar dela. Isso diz de cada indivíduo e, claro, diz também dessa sociedade. Seria importante escutar esses homens para entender qual é a questão de cada um com seu próprio pênis. Talvez vivam um sentimento de impotência avassaladora, para muito além da ereção que conseguem ou não ter. Mas é só uma hipótese para tantas que só podem ser compreendidas na história de cada um.

Mais bizarro do que o ato individual, porém, é o ato público. Mais perigosa é a “solução” que o poder público, nesse caso o parlamento paulista, deu para a violência. Comete-se violência sexual contra as mulheres nos trens, segrega-se as vítimas. Seguindo essa lógica, em breve poderia se propor que, nas ruas e espaços coletivos, as mulheres passassem a usar burca. Assim, os homens não seriam “tentados” a cometer crimes sexuais.

Se o “vagão rosa” (o apelido já é duro de aguentar!) vingar, é um retrocesso muito maior do que pode parecer a um primeiro olhar distraído. É alarmante que os protestos não sejam mais numerosos e barulhentos, dada a seriedade do que está em jogo. Em nome das supostas boas intenções de “proteger as mulheres”, o que se faz, de fato, é reforçar duas ideias do senso comum, interligadas, que persistem há séculos e estão na base da violência sexual.

A primeira delas é que a culpada é a vítima. Seja porque usou “roupas sensuais”, seja porque “se expôs” a uma situação potencialmente perigosa. Nesse caso, apenas por existir. Por ser mulher, precisa ser colocada num “vagão especial”. Sua condição, em si, despertaria sentimentos incontroláveis em alguns homens. Então, nada de ficar perto desses espécimes ou eles não poderão resistir e cometerão a violência. Como se esses homens não fossem responsáveis pelos seus atos, como se fossem incapazes de se controlar, como se fossem animais, eliminando a cultura da equação e deixando restar uma ideia tacanha de natureza.

No conceito do “vagão rosa” as mulheres são colocadas na posição de objetos de desejo ou objetos de posse. E os homens são vistos como vítimas do próprio desejo, sem a necessidade de se responsabilizar por ele. Acho curioso que homens não façam protestos contra o “vagão rosa”: a ideia nele embutida sobre o que é ser um homem é ofensiva ao extremo.

Se o “vagão rosa” virar lei, o próximo passo será: se uma mulher não quis ocupar o vagão especial e foi sexualmente abusada no comum, conclui-se o de sempre: “Ela pediu. Se não quisesse ser encoxada, apalpada, estuprada teria entrado no vagão dela”.

A outra ideia fincada no imaginário de homens (e também de mulheres) é mais interessante. As mulheres é que são a ameaça. (E não aqueles que abusam de seus corpos e de suas almas.) Confina-se, cobre-se, esconde-se aquilo que nos envergonha e aquilo que nos coloca em perigo. Quando se propõe – e se aprova – um vagão especial para as mulheres, o que se está fazendo, de fato, é isolar o elemento desestabilizador. Colocar em ambiente controlado quem teria o poder de revelar, expor algo que deve continuar oculto. O segredo, nesse caso, está naquele que esconde – e não naquela que é escondida.

O “vagão rosa” é mais uma tentativa de sujeitar os corpos femininos, ao determinar que só podem ser “transportados” em sistema de segregação. Uma prova de que, ainda hoje, a imagem social das mulheres difere pouco da visão medieval em que eram compreendidas como “más e impuras”. Não custa lembrar do recente linchamento de uma mulher como “bruxa”, no mesmo estado de São Paulo. (Escrevi sobre isso aqui).

O que há de tão ameaçador nas mulheres?

A buceta, ainda ela. O desembargador Francisco Batista de Abreu, da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais ajuda a explicar. Em acórdão publicado no final de junho, ele expõe uma linha de raciocínio fascinante ao justificar por que o valor de 100 mil reais de indenização, determinado pela justiça de primeira instância, deveria ser reduzido para 5 mil reais, como de fato aconteceu no julgamento em segundo grau. O caso refere-se ao que tem sido chamado de “vingança pornô”.

Um homem e uma mulher namoraram, em cidades diferentes, por cerca de um ano. Depois do término da relação, ainda conversavam e trocavam imagens íntimas pela internet. Na descrição do desembargador, as dela eram “ginecológicas”. O ex-namorado, seguindo o roteiro bocejante dos imbecis, quebrou a confiança estabelecida entre eles e tornou público o que era privado. As imagens, que eram consensuais, foram expostas de forma não consensual. Um ato sujeito à punição legal, portanto.

O desembargador Abreu concluiu, porém, que esta seria uma oportunidade para fazer um julgamento moral da vítima, expondo a profundidade do seu entendimento sobre como uma mulher deve lidar com sua vagina e com seu corpo. Depois da divulgação do caso, o processo foi colocado em “segredo de justiça”, limitando o acesso aos autos. Mas o segredo de quem, àquela altura, deveria ser protegido? Da mulher, do homem ou do desembargador?

A seguir, alguns trechos do voto do desembargador Francisco Batista de Abreu publicados na imprensa:

“Quem ousa posar daquela forma e naquelas circunstâncias tem um conceito moral diferenciado, liberal. Dela não cuida. Irrelevantes para avaliação moral as ofertas modernas, virtuais, de exibição do corpo nu. A exposição do nu em frente a uma webcam é o mesmo que estar em público.”

“As fotos em momento algum foram sensuais. As fotos em posições ginecológicas que exibem a mais absoluta intimidade da mulher não são sensuais. Fotos sensuais são exibíveis, não agridem e não assustam. Fotos sensuais são aquelas que provocam a imaginação de como são as formas femininas. Em avaliação menos amarga, mais branda podem ser eróticas. São poses que não se tiram fotos. (...) São poses para um quarto fechado, no escuro, ainda que para um namorado, mas verdadeiro. Não para um ex-namorado por um curto período de um ano. Não para ex-namorado de um namoro de ano. Não foram fotos tiradas em momento íntimo de um casal ainda que namorados. E não vale afirmar quebra de confiança. O namoro foi curto e a distância. Passageiro. Nada sério.”

É possível desenvolver uma tese de doutorado na área de psicanálise e direito a partir do voto do desembargador mineiro. Mas, atendo-se a apenas um ponto de seu raciocínio, percebe-se o que é assustador para o magistrado: “As fotos em posições ginecológicas que exibem a mais absoluta intimidade da mulher não são sensuais. Fotos sensuais são exibíveis, não agridem e não assustam (...) São poses para um quarto fechado, no escuro, ainda que para um namorado, mas verdadeiro”.

Para o desembargador, a vagina não é sensual. O que é sensual, segundo ele, não agride nem assusta. É coerente depreender dessa afirmação que a imagem da vagina não só agride o magistrado, como também o assusta. Assim, só pode ser exibida “no escuro”, de forma que não possa ser vista. E para um namorado “verdadeiro”.

Quando o voto se tornou público, lamentou-se em alguns espaços da internet a escuridão em que vive o desembargador Abreu. E até a suposta indigência de sua vida sexual. Mas não se trata de julgá-lo. Como indivíduo, seu Abreu pode até ter medo da vagina. Pode achá-la feia e assustadora. Pode preferir só vê-la no escuro ou não vê-la nunca. É possível ter compaixão por seu Abreu, mas ninguém tem o direito de julgar como seu Abreu se relaciona com a sexualidade do outro e com a sua própria. Isso diz respeito só a ele.

O problema é com o desembargador Abreu, servidor público, investido da Lei. Com a sua pretensão de determinar, como verdade única e universal, registrada nos autos, o que é sensual, o que é erótico, o que é amor “verdadeiro” e quando, como e onde uma vagina pode ser exibida. Assim como determinar que uma mulher que mostra a sua vagina não tem autoestima. O problema é que, ao assim manifestar-se, o desembargador Abreu está representando a Justiça. Seu ato tem efeito direto sobre a vida da vítima – e também sobre as vidas na sociedade brasileira.

A tal “vingança pornô”, em que imagens feitas em âmbito privado são divulgadas contra a vontade de quem é retratado, num ato de quebra de confiança, já levou ao suicídio adolescentes brasileiras que não suportaram o julgamento moral da família, amigos e sociedade. Ao manifestar-se nesses termos, o desembargador está reeditando, para um fenômeno contemporâneo, ligado às novas tecnologias, o velho “ela pediu”. E isso é inadmissível.

O relator do caso, desembargador José Marcos Rodrigues Vieira, defendeu reduzir o valor da indenização dos 100 mil reais determinados em primeira instância para 75 mil reais. Afirmou em seu voto: “Isentar o réu de responsabilidades pelo ato da autora significaria, neste contexto, punir a vítima”. Seu colega, o desembargador Abreu, porém, preferiu julgar a “moral” da vítima, acompanhado pelo terceiro desembargador, Otávio de Abreu Portes. Ao final, determinou-se que 5 mil reais seria um valor suficiente. É possível concluir que, simbolicamente, essa já não é mais uma indenização, mas um pagamento.

O “doutor” enxergaria a vítima como uma “puta”. No sentido de que a prostituta, na sociedade brasileira – e esta é outra enorme violência – é vista como aquela que não tem direito nem ao próprio corpo, nem à Lei. Isso ficou de novo muito claro em junho, quando o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo inocentou um fazendeiro preso em flagrante ao estuprar uma menina de 13 anos. A justificativa: ela seria prostituta, o que teria levado o criminoso a errar sobre a sua idade. Em resumo: com prostituta se pode tudo. O que as coloca fora do corpo e fora da Lei, de várias e complexas maneiras, com consequências sempre aterradoras.

Como afirmam organizações de prostitutas, infelizmente muito pouco escutadas, não existe prostituição envolvendo menores de idade. Com crianças e adolescentes só existe estupro e abuso sexual. Mas esse não foi o entendimento dos desembargadores paulistas. Assim como, ao reduzir em 95 mil reais a indenização devida à mulher que teve imagens do seu corpo divulgadas contra a sua vontade, o que o tribunal mineiro fez foi: não mais determinar ao réu uma indenização pelo dano causado, mas dar um valor à mulher.

É o que se compreende da justificativa contida no voto, em especial nesse ponto: “Mas, de qualquer forma, e apesar de tudo isso, essas fotos talvez não fossem para divulgação. A imagem da autora na sua forma grosseira demonstra não ter ela amor-próprio e autoestima”. À vítima, que foi quem passou a ser julgada e enquadrada como alguém que não se dá valor, é concedido um valor aviltantemente mais baixo do que aquele determinado em primeira instância como indenização pelo ato do réu.

Mas qual é o valor de uma mulher? Como diz Renata Corrêa, em um texto bonito no Biscate Social Club:

“Por essa e por outras que para uma vida livre todas as mocinhas, garotas, meninas, mulheres, cidadãs do mundo não deveriam valer nada. Eu particularmente não valho um centavinho furado. Ninguém pode me medir, me pesar, me trocar ou me comprar: não tenho preço, código de barras, cifrão ou vírgula. Quem tem o direito de dar preço para minha alma? E pro meu corpinho? Nobody, baby. Não valho nada. Não me atribuo valor algum. Não tô a venda: tô vivendo sem conta, sem mercantilismo amoroso, fraterno ou sexual. E também não tô comprando. Mas isso é outra história”.

De volta ao “vagão rosa”, que leva as mulheres a uma viagem sem movimento algum, na qual estão estacionadas no mesmo lugar, para que não exista deslocamento nem nada se altere. O “vagão rosa”, destinado ao transporte das mulheres para que não sejam encoxadas, bolinadas ou até estupradas, é o mesmo lugar simbólico destinado à vagina em visões como a do desembargador mineiro. O corpo feminino, a vagina como sua máxima potência, deve ser oculto. Se for exposto, está subentendido que as mulheres assumirão o risco – e a responsabilidade – de serem violadas, de terem seus corpos (e suas almas) destruídos.

Resta se perguntar que vagão é esse, o que exatamente ele transporta de um lado a outro e qual é o seu destino.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Robert Fisk: A história por trás de Gaza, que os israelenses não contam #StopSionism #GazaUnderAttack #PalestinaSomosTodos


Robert Fisk é um importante jornalista britânico que acompanha há anos a região do Oriente Médio tendo coberto guerras, conflitos e massacres passando pela guerra do Líbano de 1975, a guerra Irã-Iraque entre 1980 e 1988, o massacre de Sabra e Chatila de 1982 e as guerras do Golfo Pérsico de 1990 e 1991, entre tantos outros episódios particularmente marcados pelo sangue do povo árabe.

Na última quarta-feira, dia 09, Fisk publicou em sua coluna no jornal britânico The Guardian, artigo que conta a verdadeira razão pelo recente ataque à Gaza e chama atenção: o massacre em curso não tem absolutamente "nada a ver com o assassinato de três israelenses na Cisjordânia ocupada, nem com o assassinato de um palestino na Jerusalém Leste ocupada".

Vale a leitura.

A história por trás de Gaza, que os israelenses não contam


É terra. A questão é terra. Os israelenses de Sderot estão recebendo tiros de rojões dos palestinos de Gaza, e agora os palestinos estão sendo bombardeados com bombas de fósforo e bombas de fragmentação pelos israelenses. É. Mas e como e por que, para início de conversa, há hoje 1 milhão e meio de palestinos apertados naquela estreita Faixa de Gaza?

As famílias deles, sim, viveram ali, não eles, no que hoje há quem chame de Israel. E foram expulsas – e tiveram de fugir para não serem todos mortos – quando foi inventado o estado de Israel.

E – aqui, talvez, melhor respirar fundo antes de ler – o povo que vivia em Sederot no início de 1948 não eram israelenses, mas árabes palestinos. A vila palestina chamava-se Huj. Nunca foram inimigos de Israel. Dois anos antes de 1948, os árabes de Huj até deram abrigo e esconderam ali terroristas judeus do Haganah, perseguidos pelo exército britânico. Mas quando o exército israelense voltou a Huj, dia 31/5/1948, expulsaram todos os árabes das vilas... para a Faixa de Gaza! Tornaram-se refugiados. David Ben Gurion (primeiro primeiro-ministro de Israel) chamou a expulsão de "ação injusta e injustificada"). Pior, impossível. Os palestinos de Huj, hoje Sderot, nunca mais puderam voltar à terra deles.

E hoje, bem mais de 6 mil descendentes dos palestinos de Huj – atual Sderot – vivem na miséria de Gaza, entre os “terroristas” que Israel mente que estaria caçando, e os quais continuam a atirar contra o que foi Huj.

A história do direito de autodefesa de Israel, é a história de sempre. Hoje, foi repetida e a ouvimos mais uma vez. E se a população de Londres estivesse sendo atacada como o povo de Israel? Não responderia? Ora bolas, sim. Mas não há mais de um milhão de ex-moradores de Londres expulsos de suas casas e metidos em campos de refugiados, logo ali, numas poucas milhas quadradas cercadas, perto de Hastings!

A última vez em que se usou esse falso argumento foi em 2008, quando Israel invadiu Gaza e assassinou pelo menos 1.100 palestinos (escore: 1.100 mortos palestinos, a 13 mortos israelenses). E se Dublin fosse atacada por foguetes – perguntou então o embaixador israelense? Mas nos anos 1970s, a cidade britânica de Crossmaglen no norte da Irlanda estava sendo atacada por foguetes da República da Irlanda – nem por isso a Real Força Aérea britânica pôs-se a bombardear Dublin, em retaliação, matando mulheres e crianças irlandesas.

No Canadá em 2008, apoiadores de Israel repetiram esse argumento fraudulento: e se o povo de Vancouver ou Toronto ou Montreal fosse atacado com foguetes lançados dos subúrbios de suas próprias cidades? Como se sentiriam? Não. Os canadenses nunca expulsaram para campos de refugiados os habitantes originais dos bairros onde hoje vivem. Passemos então para a Cisjordânia. Primeiro, Benjamin Netanyahu disse que não negociaria com o "presidente" palestino Mahmoud Abbas, porque Abbas não representava também o Hamás. Depois, quando Abbas formou um governo de unidade, Netanyahu disse que não negociaria com Abbas, porque "unificara" seu governo com o "terrorista" Hamas. Agora, está dizendo que só falará com Abbas se romper com o Hamas – quando, então, rompido, Abbas não representará o Hamas... Enquanto isto, o grande filósofo da esquerda israelense, Uri Avnery – 90 anos e, felizmente, cheio de energia – ataca a mais recente obsessão de seu país: a ameaça de que o ISIS mova-se para oeste, lá do seu "califado" iraquiano-sírio, e aporte à margem leste do rio Jordão.

"E Netanyahu disse", segundo Avnery, que "se não forem detidos por uma guarnição permanente de Israel no local (no rio Jordão), logo mostrarão a cara nos portões de Telavive". A verdade, claro, é que a força aérea de Israel esmagaria qualquer "ISIS", no momento em que começasse a cruzar a fronteira da Jordânia, vindo do Iraque ou da Síria.

A importância da "guarnição permanente", contudo, é que se Israel mantém seu exército na Jordânia (para proteger Israel contra o ISIS), um futuro estado "palestino" não terá fronteiras e ficará como enclave dentro de Israel, cercado por território israelense por todos os lados. "Em tudo semelhante aos bantustões sul-africanos" – diz Avnery.

Em outras palavras: nenhum estado "viável" da Palestina jamais existirá. Afinal, o ISIS não é a mesma coisa que o Hamás? É claro que não é.

Mas Mark Regev, porta-voz de Netanyahu, diz que é! Regev disse à Al Jazeera que o Hamás seria "organização terrorista extremista não muito diferente do ISIS no Iraque, do Hezbollah no Líbano, do Boko Haram..." Sandices. O Hezbollah é exército xiita que está lutando dentro da Síria contra os terroristas do ISIS. E Boko Haram – a milhares de quilômetros de Israel – não ameaça Telavive.

Vocês entenderam o "espírito" da fala de Regev. Os palestinos de Gaza – e esqueçam as 6 mil famílias palestinas cujas famílias foram expulsas pelos sionistas das terras onde hoje está Sederot – são aliados das dezenas de milhares de islamistas que ameaçam Maliki de Bagdá, Assad de Damasco ou o presidente Goodluck Jonathan em Abuja.

Sim, mas... Se o ISIS está a caminho para tomar a Cisjordânia, por que o governo sionista de Israel continua a construir colônias ali?! Colônias ilegais, em terra árabe, para civis israelenses... na trilha do ISIS?! Como assim?!

Nada do que se vê hoje na Palestina tem a ver com o assassinato de três israelenses na Cisjordânia ocupada, nem com o assassinato de um palestino na Jerusalém Leste ocupada. Tampouco tem algo a ver com a prisão de militantes e políticos do Hamas na Cisjordânia. E nem o que se vê hoje na Palestina tem algo a ver com foguetes. Tudo, ali, sempre, é disputa por terra dos árabes.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Noam Chomsky: Barbárie em Gaza #StopSionism #GazaUnderAttack #PalestinaSomosTodos


O portal Outras Palavras publicou no sábado, dia 12, texto do marxista estadunidense Noam Chomsky sobre a barbárie em Gaza chamando atenção que já no dia 09, quinta, 70 pessoas haviam sido assassinadas pelos bombardeios de Israel, a maioria mulheres e crianças e que pouquíssimos ativistas do Hamas ou mesmo as tais instalações haviam sido atingidos. Um dos números apresentados por Chomsky é bem importante para dar reforçar o caráter do ataque: 70% das ambulâncias haviam sido destruídas. Setenta por cento da ambulâncias! A intenção não é atingir o Hamas. Nunca foi. A intenção é expulsar os palestinos de sua terra. Não tem a ver unicamente com esse bombardeio. É o objetivo permanente. Em condições normais, se é que podemos chamar assim, mais de duas crianças morrem semanalmente como fruto do bloqueio sionista.

É preciso parar Israel. É preciso parar a Barbárie em Gaza!

Barbárie em Gaza.


Às três da madrugada (horário de Gaza), de 9 de julho, em meio ao último exercício de selvageria de Israel, recebi um telefonema de um jovem jornalista palestino em Gaza. Ao fundo, podia ouvir o lamúrio de seu filho pequeno, entre sons de explosões de de jatos, atirando sobre qualquer civil que se mova e sobre casas. Ele acabava de ver um amigo, num carro claramente identificado como “imprensa”, voar pelos ares. E ouvia gritos ao lado de sua casa, após uma explosão — mas não podia sair, ou seria um alvo provável. É um bairro calma, sem alvos militares – exceto palestinos, que são presa fácil para a máquina militar de alta tecnologia de Israel, abastecida pelos Estados Unidos. Ele contou que 70% das ambulâncias haviam sido destruídas e, até aquele momento, mais de 70 pessoas [o número subiu para 120 na sexta, 11/7, segundo o Guardian] haviam sido mortas e 300 feridas – cerca de 2/3, mulheres e crianças. Poucos ativistas do Hamas, ou instalações para lançamento de foguetes, haviam sido atingidas. Apenas as vítimas de sempre.


É importante entender como se vive em Gaza, mesmo quando o comportamento de Israel é “moderado”, no intervalo entre crises fabricadas, como esta. Um bom retrato está disponível num relatório da UNRWA (a agência da ONU para refugiados palestinos) preparado por Mads Gilbert, o corajoso médico norueguês que trabalhou extensivamente em Gaza, mesmo durante os ataques mortíferos de Israel. A situação é desastrosa, por todos os ângulos. Gilbert narra: “As crianças palestinas em Gaza sofrem imensamente. Uma vasta proporção é afetada pelo regime de desnutrição imposto pelo bloqueio israelense. A prevalência de anemia entre menores de dois anos é de 72,8%; os índices registrados de síndrome consuptiva, nanismo e subpeso são de 34,3%, 31,4% e 31,45%, respectivamente”. E estão piorando.

Quando Israel está em fase de “bom comportamento”, mais de duas crianças palestinas são mortas por semana – um padrão que se repete há 14 anos. As causas de fundo são a ocupação criminosa e os programas para reduzir a vida palestina a mera sobrevivência em Gaza. Enquanto isso, na Cisjordânia os palestinos são confinados em regiões inviáveis e Israel tomas as terras que quer, em completa violação do direito internacional e de resoluções explícitas do Conselho de Segurança da ONU – para não falar de decência.

E tudo isso vai continuar, enquanto for apoiado por Washington e tolerado pela Europa – para nossa vergonha infinita.

Sete charges de @CarlosLatuff contra o massacre em Gaza #GazaUnderAttack #StopSionism #PalestinaSomosTodos








Mais charges de Carlos Latuff aqui.

domingo, 13 de julho de 2014

Massacre em Gaza, sexto dia, 165 mortos #MassacreNaPalestina #StopSionism #GazaUnderAttack


Já chegam a 165, o número de palestinos mortos e mais de 1000 o de feridos no sexto dia do massacre sionista em Gaza. Até o momento nenhum israelense foi morto apesar da gritaria sobre os foguetes lançados pelo Hamas. A imensa maioria das vítimas são civis, pelo menos 70%, e entre eles 30 são crianças.

Neste domingo milhares de palestinos abandonaram suas casas em 3 dos 10 bairros da cidade de Beit Lahiya em Gaza, após Israel ordenar que evacuassem ou sofressem as consequências. Segundo a Agência Reuters pelo menos 4 mil pessoas (mais de 5% da população) fugiram até o meio dia de domingo, dia 13/07.

A ONU mais uma vez é só lamentações enquanto Israel já iniciou suas primeiras incursões terrestres este final de semana com 20 assassinatos e tem mobilizado 40.000 reservistas para mais um banho de sangue.

A situação é cada vez mais urgente. É preciso construir atos de solidariedade por todo o mundo e exigir de todas as personalidades e governantes que se manifestem imediatamente contra o massacre ao povo palestino e condenem a violência e o ódio sionista.

Leia mais no blog:

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Os objetivos do Sionismo nas palavras de Ben Gurion #StopSionism

David Ben Gurion foi um dos principais líderes do movimento sionista e fundadores do Estado de Israel, sendo seu primeiro-ministro entre os anos de 1948 e 1963, e também um daqueles que melhor clarificou qual a estratégia do sionismo.

Para Ben Gurion, a fundação de Israel tomando boa parte da Palestina nunca foi suficiente, era preciso muito mais. Segundo ele:
"Quando nos convertermos em uma força com peso, como resultado da criação de um Estado, aboliremos a partilha e nos expandiremos para toda a Palestina. O Estado será somente uma etapa na realização e sua tarefa é preparar o terreno para nossa expansão. O Estado terá de preservar a ordem, não através da pregação, mas das metralhadoras"
Claríssimo não? Mas não era somente a totalidade do território palestino que os sionistas tinham mente. Ben Gurion nunca teve receio de afirmar que era preciso ir além:
"Deveríamos nos preparar para avançar em uma ofensiva. Nosso objetivo é esmagar o Líbano, a Transjordânia e a Síria. O ponto débil é o Líbano, porque o regime muçulmano é artificial e fácil de ser minado. Teremos de implantar um Estado cristão ali e então derrotaremos a Legião Árabe, eliminaremos a Transjordânia; a Síria cairá em nossas mãos. Então nós bombardearemos e ocuparemos Port Said, Alexandria e o Sinai."
Os dois trechos acima são do livro "A História Oculta do Sionismo" do judeu anti-sionista Ralph Schoenman publicado em 1988 e dão bem a ideia do que representa o Sionismo e porque a existência do Estado de Israel significa a impossibilidade de haver paz no Oriente Médio. A doutrina do Sionismo, que é a base do estado de Israel, é a da permanente guerra de expansão e vem sendo cumprida a risca desde sua fundação, com as bênçãos da ONU e com as milhares e milhares de vidas despedaçadas do povo palestino.

Massacre em Gaza, quarto dia, 105 mortos #MassacreNaPalestina #StopSionism #GazaUnderAttack


Ao concluir seu quarto dia de massacre, o ataque de Israel chega ao número de 105 mortos palestinos, com pelo menos 23 crianças entre as vítimas fatais, e no mínimo 700 pessoas feridas. Até o momento, nenhum israelense foi morto e segundo os dados oficiais 10 foram feridos, sendo dois deles militares.

O portal AlJazeera dá noticia que pelo menos 200 casas foram bombardeadas no território de Gaza, chegando ao número de 3000 casas parcial ou completamente destruídas a ofensiva sionista, em uma imagem que "se traduz em um ataque aéreo a cada quatro minutos e meio". Pelo menos mais 1.100 alvos estariam na mira dos israelenses.

A ONU, segundo o portal da revista Época, por sua vez começa a duvidar se a ação de Israel estaria de acordo com a lei internacional. Isso mesmo. Eles ainda não tem certeza se Israel está ou não exagerando. Enquanto isso, o massacre segue.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Massacre em Gaza, terceiro dia, 88 mortos #MassacreNaPalestina #StopSionism #GazaUnderAttack


São 88 mortos e 660 feridos em Gaza contra nenhuma morte e apenas duas pessoas feridas no terceiro dia do massacre levado adiante por Israel contra o povo Palestino. A grande imprensa internacional chama o episódio de "conflito". A ONU através de seu secretário geral, Ban-Ki-Moon, pede moderação a Israel (o assassino) e condena os ataques com "foguetes" dos palestinos.

Estamos diante de mais um genocídio do estado sionista de Israel que promete se intensificar. Vinte mil reservistas israelenses foram mobilizados para uma possível ofensiva terrestre contra o povo palestino.

Notícias podem ser acompanhadas via blog Gaza da Al Jazeera (em inglês).

Todo apoio e solidariedade ao Povo Palestino!
Baste de Genocídio! Basta de Sionismo! Basta de Israel!

terça-feira, 8 de julho de 2014

Foi-se a Copa? (poema de Carlos Drummond de 1978 sobre a Copa)


Foi-se a Copa? Não faz mal.
Adeus chutes e sistemas.
A gente pode, afinal,
cuidar de nossos problemas.

Faltou inflação de pontos?
Perdura a inflação de fato.
Deixaremos de ser tontos
se chutarmos no alvo exato.

O povo, noutro torneio,
havendo tenacidade,
ganhará, rijo, e de cheio,
A Copa da Liberdade.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Como assim "não é mais o momento", Luciana Genro?


A recente declaração de Luciana Genro, candidata do PSOL à presidência da república nas próximas eleições, acerca das mobilizações contra a injustiça da Copa da FIFA, afirmando que não mais seria "o momento do protesto" merece muita atenção. Tanto merece que a própria Folha utiliza exatamente essa afirmação como título da entrevista concedida por Genro ao jornalista Fernando Rodrigues meio que com o intuito de justificar a "inutilidade" dos protestos. Além disso a própria esquerda adepta tanto do #NaoVaiTerCopa como do #NaCopaVaiTerLuta vem reproduzindo a frase da presidenciável nas redes sociais repercutindo o que pode ser entendido como uma "desautorização" aos protestos contra a Copa.

Mas como assim "não é mais o momento", Luciana? Quer dizer que a luta contra as injustiças da copa tinham data de validade? É possível lutar até começarem os jogos, depois disso não pode mais, é isso? Até antes da bola começar a rolar e da euforia do "eu quero ver gol" era possível defender o #NaoVaiTerCopa como fez boa parte do PSOL, mas a seleção entrou em campo o jeito é torcer, é isso mesmo?

Bem... se for isso não tenho como concordar. Mas devo admitir: minha discordância com o "não é mais o momento" é muito mais pelo "mais" da frase do que pelo "momento" propriamente dito. Não é que não seja mais o momento para lutar contra a Copa. A verdade é que o tal momento não esteve verdadeiramente posto. Pelo menos não da forma como foi apresentado por boa parte da vanguarda da esquerda socialista.

Sim, é verdade que existem muitas injustiças relacionadas à Copa. É verdade que é um absurdo gastar com estádios de futebol enquanto a Saúde Pública está na UTI e a Educação Pública repete de ano. É tudo verdade e é sim, tudo muito injusto e, toda injustiça é um bom motivo para protestar.

Mas para ser franco é bom lembrar que injustiça é algo que não falta no Brasil nem muito menos no mundo. Só pra constar: vivemos no capitalismo, não esqueça disso, e as bases que sustentam o capitalismo é a exploração do homem pelo homem e não há como isso ser justo, entende? Nem era preciso uma copa no país com seus gastos nababescos para se ter motivo para um bom protesto. Nossa mesa de injustiças já está mais do que farta com o crescimento da inflação, a precarização do trabalho, o achatamento salarial, a falta de moradia, a seca no nordeste, as inúmeras enchentes e um larguíssimo etecetera. Então motivo, é claro que tem.

Mas minha nossa senhora do São Lênin desenganado, quem foi que disse que o conceito de justiça e injustiça é aquilo que move as pessoas? Nem nos sonhos mais fantasiosos é assim que funciona o motor das lutas sociais. Aquilo que em primeiro lugar move as pessoas são suas necessidades mais sentidas. E quando a carência de tais necessidades chega ao momento do insuportável explodem lutas sociais e isso independe da vontade de qualquer que seja a pessoa ou organização. A arte para a esquerda socialista é exatamente entender o momento, identificar tais necessidades, apresentar medidas que sejam capazes de atendê-las e materializá-las em bandeiras e palavras de ordem que possam ser abraçadas pelas massas trabalhadoras.

Ao invés disso, o que assistimos no primeiro semestre de 2014 foi uma campanha absolutamente desinteressante e infantil de hashtags sobre a Copa da FIFA. O #NaoVaiTerCopa de um lado com o #VaiTerCopa do outro soou a todo instante como uma grande "arenga" de meninos. Já o #NaCopaVaiTerLuta foi de uma inutilidade prática assustadora. Fiquei imaginando os bolcheviques fazendo campanha pela revolução em 1917 com um #NaoVaiTerConstituinte ou um #NaConstituinteVaiTerLuta quando o que interessava era "Paz, Pão e Terra". Ter ou não ter luta é o que chamamos de caracterização política e se tem algo que não faz sentido agitar na forma de uma bandeira ou numa hashtag que seja, é uma caracterização (vale ler Conceitos Políticos Básicos do trotskista argentino Nahuel Moreno).

Hashtags à parte, por um brevíssimo momento até se podia pensar que junho de 2014 poderia em parte resgatar o espírito de junho de 2013, em especial com o aumento do número de greves que presenciamos após o levante de carnaval dos garis cariocas. Mas infelizmente a forma como foram conduzidas as campanhas salariais, sendo subordinadas à luta contra as injustiças da Copa, meio que desarmaram a classe trabalhadora em sua luta mais do que justa por salário e condições dignas de trabalho.

De fato Luciana, não estamos em um momento para luta contra a Copa, por mais que hajam motivos para tanto. Mas honestamente este momento infelizmente, nunca esteve verdadeiramente posto.