sábado, 14 de março de 2015

Alguns comentários sobre o 15 de março ou "desliguem o alarme, não há nenhum golpe a vista no horizonte!"


Vivemos um clima de acirramento político no país, como há muito não se vê. O corriqueiro é vermos a disputa que estamos vendo agora no período eleitoral onde praticamente se manifesta o clima de final de campeonato, aquele "FlaFlu" político e estupidamente despolitizado do tipo, bem "o meu é melhor que o teu e pronto". À direita é à esquerda, é aquele mais do mesmo intragável. A direitada estérica e infecunda grita "Nunca se roubou tanto nesse país!", "A corrupção é culpa do PT,  a luta de classe é culpa do PT!", "Querem transformar o Brasil em uma Venezuela, em uma Cuba!", "Forças armadas façam alguma coisa, salvem o país!", blá, blá, blá... Já o governismo lulo-petista avisa em tom pesado e funesto "Golpe à vista! Golpe á vista! Soem os alarmes! Golpe à vista!". Ao seus avisos anexam recomendações "aguentemos o amargor dos remédios governistas, não é hora de colocar o governo na parede, é preciso cerrar fileiras ao lado do polo democrático contra os golpistas".

Como o caso dos argumentos da direita raivosa é de tratamento psicológico e não de argumentação política, o melhor é que deixemos os profissionais de saúde tratar do assunto. Já a argumentação do petismo é possível e preciso, um pouco de reflexão. Até mesmo porque mal fazem 3 décadas que as botas dos governos militares foram recolhidas de nossos pescoços, e essa é sempre uma hipótese que os ativistas dos movimentos populares, em especial, os socialistas revolucionários precisam ter em mente.

Então nos dediquemos um pouco a analisar o tema do "golpe" partindo em primeiro lugar de a quem interessaria o fim da experiência de 12 anos dos governos de frente popular no Brasil.

1. O grosso do empresariado brasileiro não rompeu com o governo e não tem interesse em instabilidade política que por sua vez significa menos negócios, menos lucros em especial em um cenário de crise econômica mundial não resolvido. Banqueiros, latifundiários, grandes industriais, varejistas se não estão em um momento de plena satisfação em função da situação econômica não tão tranquila, não estão em campanha aberta contra Dilma, até mesmo porque estão muito bem representados em seu governo. O setor do empresariado que poderia estar em pé de guerra poderia ser por exemplo o da construção civil, meio que afetado pelas obras paralisadas em função das denúncias de grandes empreiteiras na operação Lava-Jato, mas não é o que estamos vendo pelo menos até agora. Nem mesmo o grosso da oposição de direita organizada em partidos políticos não quer a queda do governo (vide FHC e Tasso).

2. O setor do empresariado com mais interesse em derrotar o governo e que agradeceria enormemente uma renúncia ou algo do gênero é o ligado aos grandes grupos de comunicação meio que movidos pela grave crise que vivem. Ainda assim não possuem coragem para defender uma suposta necessidade de uma ruptura democrática, via golpe.

3. Por fim, o imperialismo não tem motivo algum para investir na queda do governo. As relações comerciais com Brasil não passam por nenhuma contenda nem os interesses das grandes corporações multinacionais em solo nacional passam por qualquer ameaça. Para o governo estadunidense mais interessa investir na instabilidade venezuelana do que forçar uma no Brasil.

Em resumo não existe interesse da burguesia nacional e internacional, e sem seu apoio não existe nenhuma possibilidade de golpe no horizonte. Mas e quanto ao "povo brasileiro"? Do nosso ponto de vista de nada interessa enxergar a sociedade escondida por trás dessa categoria de indeterminação social, chamada "o povo". Nos debrucemos sobre o espírito e o comportamento das classes sociais, em especial a chamada classe média, o grande proletariado e o subproletariado urbano.

1. A classe média segue em violenta ruptura com o governo. A gasolina acima dos R$ 3,00 é um imensa restrição ao seu status quo. Seguro desemprego, licença maternidade, FGTS, corte no orçamento da saúde e da educação? Para a classe média isso não gera a menor comoção. Mas quanto à gasolina isso é algo que não dá pra encarar. Não é a toa que vez por outra voltam à tona aqueles protestos imbecis de fazer fila em postos e abastecer 50 centavos de gasolina e pagar no cartão ou em cédulas grande e ainda por cima pedir o troco. Ainda assim a classe média e seus interesses não é capaz de mover nem a burguesia para um golpe, nem muito menos a classe trabalhadora para uma revolução.

2. O grande proletariado urbano segue paciente. Existe sim um desconforto crescente com os caminhos trilhados pelo governo em especial por conta do arrocho e alta dos preços mas ainda não vemos nenhuma disposição para grandes lutas. Corrupção, Petrobrás, lava-jato, mensalão povoam seus olhos e ouvidos mas são tão significativos para a classe quanto um episódio da novela das oito. Ainda contam como um enorme contrapeso o maior poder de compra do salário mínimo nos últimos 50 anos, a facilidade de crédito e os vários sonhos de consumo realizados. Somados à deseducação, desmoralização e desmobilização dos últimos 12 anos que não permitiram uma ação independente e cotidiana da classe, a situação ainda que com a tendência de aumento de greves em 2015, segue de semi-paralisia.

3. Já o subproletiariado urbano em suas várias camadas e tons age de forma muito desigual. Trabalhadores precarizados não encontram eco em seus pares cltistas ou com estabilidade, ainda assim é possível enxergar o crescimento de suas lutas (vide UFF, Brasilia, Vale, etc). Dos movimentos sociais organizados, o que provavelmente ganhou mais notoriedade na última década foi o MTST em função da luta por moradia digna. A própria luta em junho de 2013 teve um eco enorme no subproletariado urbano altamente escolarizado em função da alta das tarifas do transporte público. Pesa contra este setor da classe, o nível de desorganização e a ausência de tradição de luta.

Tudo isso pode mudar se os ataques aos direitos trabalhistas tomarem outra proporção. Praticamente o governo tem feito seus movimentos pelas beiradas. Se na esteira do "tenham  paciência" coloca-se em marcha o fator 85/95 para aposentadoria, se a inflação fugir do controle para níveis insuportáveis, ou outra coisa do gênero, talvez aí sim teremos uma possibilidade do peso pesado da classe trabalhadora levantar-se e arrastar consigo tanto os setores do subproletariado como da própria classe média. Mas por hora, não é isso que está posto.

Resumindo: não estamos diante nem de um golpe fascista, nem muito menos do prenúncio de uma grande vaga de lutas da classe trabalhadora. Erram tanto aqueles que chamam a subir barricadas contra a ofensiva da direita como aqueles que chamam a avançar pela esquerda e derrotar o governo e suas medidas via paralisação nacional. E ambos os erros são nefastos.

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