quinta-feira, 19 de março de 2015

Olhar um pouco melhor o 15 de março é também enxergar o que pode vir depois


Não é possível ter dúvida alguma que o dia 15 de março de 2015 entrou para a história. Milhares tomaram as ruas de várias cidades do país contra o governo Dilma. Na Avenida Paulista imagens aéreas mostraram uma das maiores marchas populares já realizadas na cidade de São Paulo, mais de 200 mil pessoas. A manifestação realizada na capital paulista em março de 2015 foi maior que qualquer outra realizada em junho de 2013, quando a repressão policial ao movimento passe livre desatou o evento que hoje é conhecido por todos nós como as jornadas de junho. Naquele ano, a Avenida Paulista viu manifestações de 110 mil pessoas. Este ano o pico chegou a quase 160 mil pessoas e considerando os que se somaram ou saíram durante as 4 horas de duração do ato, foram 100 mil pessoas a mais que em 2013. Seria lindo se não fosse trágico.

Infelizmente, e como já era esperado, as manifestações foram claramente reacionárias. A defesa da democracia tal como a Globo tentou fazer colar em sua cobertura extraordinária com dedicação maior do que em dia de eleição, foi atropelada pelos gritos de Fora Dilma acompanhados de cartazes reivindicando intervenção militar para salvar o Brasil. Assustador? Pois bem... vamos com calma. É verdade que as coisas são feias mas não adianta de absolutamente nada começar a roer as unhas com medo do golpe nem se desfazer do seu exemplar do "A Capital" de Eça de Queiroz. De muito mais serventia nos seria uma espiadela mais cuidadosa da manifestação a partir da perspectiva do público participante. Façamos isso.

São Paulo é a cidade mais populosa do país, contando com praticamente 12 milhões dos 200 milhões de brasileiros. Olhando por aí, ficamos sabendo que a Paulista foi ocupada por 1,75% da população da capital paulista. Ainda é muita gente, mas a perspectiva já não é a mesma e já se começa, a partir daí, a se ter uma noção de que tipo de gente de fato participou da marcha reacionária do dia 15. Nem se precisaria de pesquisa do Datafolha para se afirmar que a classe trabalhadora paulista faltou à festa. Mas, para nossa alegria a pesquisa existe. Pois vamos a ela.

Segundo o Datafolha:
- 63% foram homens;
- 69% de cor branca, 20% pardos, 5% pretos, 3% amarelos e 1% indío.
- A idade média foi de 40 anos;
- 76% possuiam ensino superior, 21% somente o ensino médio e 2%, o fundamental;
- 85% participam da PEA (população economicamente ativa) com 37% de assalariados, 11% de autônomos, 7% de liberais e 14% de empresários;
- 14% ganham até 3 salários mínimos, 15% de 3 a 5, 27% de 5 a 10, 22% de 10 a 20 e 19% acima de 20 salários;
- 84% nunca haviam participado de uma manifestação antes;
- 82% eram eleitores de Aécio, 14% anularam ou não votaram e somente 3% votaram em Dilma.
- 47% disseram espontaneamente estar nas ruas contra a corrupção, 27% contra a Dilma, 20% contra o PT, 15% contra os políticos e 6% por mais segurança.
- 85% acreditam na democracia, 10% consideram a ditadura como alternativa e outros 3% consideram isso indiferente.

Postos os números o que concluímos? O dia 15, gostem ou não seus defensores e participantes, foi um ato majoritariamente masculino, branco, velho, elitista, aecista e anti-petista. Mas os rótulos não nos são suficientes. Alguns desse números merecem um pouco mais de atenção, entre eles o da renda mensal dos participantes. Somente 14% ganham até 3 salários mínimos, ou seja, R$ 2364,00, enquanto 19% ganham acima de R$ 15.000,00. Por aí já entende-se que o peso pesado da classe trabalhadora que objetivamente ganha abaixo de 3 salários, não se envolveu com a marcha anti-petista. Não estavam lá os garis (R$ 970,00), pedreiros (R$ 1.393,50) e serventes (R$ 1.145,10), vigilantes (R$ 1.583,59), gráficos (R$ 1.280,40), comerciários (R$ 1.253,69), e um largo etcétera de categorias.

Também não compareceram os sem teto, favelados e desempregados afinal de contas é difícil acreditar que pessoas nessas condições nunca tenham participado de um protesto na sua vida (lembrar que 84% foram às ruas pela primeira vez). Sem falar que somente 5% se enxerga como negro. Definitivamente a classe trabalhadora não se comoveu pelo apelos globais.

Mas ao mesmo tempo isso não quer dizer que a classe está disposta a defender o governo frente populista de Dilma. Tanto é assim que ela também não deu peso ao ato da sexta-feira. dia 13 de março. Não rompeu com o governo ao ponto de se deixar arrastar pela direção da classe média paulista, mas também não está disposta a ser fiadora do PT e de Dilma. É muito importante ter isso em mente. Até mesmo porque o fato de não haver nenhum golpe a vista no horizonte não quer dizer que isso não possa mudar. É tudo uma questão de correlação de forças. Se a direitada começa a ganhar gosto pelas ruas e a arrancar pequenas vitórias na forma de capitulações do governo e do parlamento é possível que comece a arrastar atrás de si de forma mais significativa, tanto setores da direita convencional organizada em partidos burgueses e até mesmo destacamentos armados da própria polícia militar. Mas, insisto, ainda não é isso que está posto.

Por hora, a realidade nos aponta uma perspectiva que ruma pela direita mas o resultado pode ser totalmente diferente na medida em que o peso da classe trabalhadora entre nessa equação.

E eis o desafio: entender a situação em que se encontra a classe trabalhadora e ser capaz de canalizar seus desejos e necessidades correntes em um programa para ação. Nada de desesperos, nem de se deixar impressionar ou mesmo se precipitar. Nada de chamar a tomar de assalto as ruas ou parar as fábricas sem antes captar os sentimentos da classe. Nada de tarefas nem para os trabalhadores, nem para nós mesmos que não haja capacidade de se fazer materializar. O momento é de explicar pacientemente os grandes ataques que estão por vir e assim ir preparando-se para entrar na luta quando chegar a hora. Um passo atrás do outro e sempre em frente. Mantenhamo-nos firmes!

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