quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O Trono do Estudar


E quem disse que 2015 foi puro espetáculo de horrores? Nada disso. Teve espetáculo também de mulheres contra Cunha, de estudantes na rua e pra fechar ainda teve até de artistas em defesa do "estudar". Esta semana caiu na rede o clipe da música de Dani Black em apoio ao movimento de ocupações de escolas secundaristas que tomou São Paulo durante o mês de novembro e fez recuar o governo tucano e ganhou simpatia de todo o país.

O clipe juntou Chico Buarque, Zélia Duncan, Paulo Miklos, Arnaldo Antunes, Dado Villa Lobos, Pedro Luis, Lucas Silveira e até Tetê Espíndola, que aliás é a mãe de Dani Black. Em um tom tipicamente nordestino, "Trono do Estudar", atira "Nem a lei, nem estado, nem turista, nem palácio, nem artista, nem polícia militar. Vocês vão ter que me engolir". Fabuloso, né não?

Vale muito conferir.

Trono do Estudar


Ninguém tira o trono do estudar
Ninguém é o dono do que a vida dá
E nem me colocando numa jaula Porque sala de aula
Essa jaula vai virar

A vida deu os muitos anos de estrutura do humano à procura do que Deus não respondeu
Deu a história, a ciência, a arquitetura, deu a arte e deu a cura e a cultura pra quem leu
Depois de tudo até chegar neste momento me negar conhecimento é me negar o que é meu
Não venha agora fazer furo em meu futuro, me trancar num quarto escuro e fingir que me esqueceu

Vocês vão ter que acostumar porque
Ninguém tira o trono do estudar Ninguém é o dono do que a vida dá
E nem me colocando numa jaula Porque sala de aula
Essa jaula vai virar

E tem que honrar e se orgulhar do trono mesmo e perder o sono mesmo para lutar pelo que é seu
Que neste trono todo ser humano é rei seja preto, branco, gay, rico, pobre, santo, ateu
Pra ter escolha tem que ter escola ninguém quer escola, isto ninguém pode negar

Nem a lei, nem estado, nem turista, nem palácio, nem artista, nem polícia militar
Vocês vão ter que me engolir, se entregar
Porque ninguém tira o trono do estudar

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O chamado a "Eleições Gerais" neste instante é ou não um erro?

E quando se pensava que o ano estava acabando e nada de novo poderia ganhar grande notoriedade para além da emocionante luta dos estudantes secundaristas de São Paulo, eis que todos os holofotes se voltam para Brasília. O presidente da Câmara dos Deputados e achacador-mor da República, Eduardo Cunha (PMDB) acatou a admissibilidade do pedido de impeachment da presidenta Dilma Roussef. Fez isso, no mesmo dia em que deputados do PT finalmente e após grande relutância assumiram a posição de que não o defenderiam no Conselho de Ética na votação sobre a admissibilidade do processo contra Cunha. No fim, seu ato foi pura retaliação em um movimento que tem o sentido primeiro de protelar quaisquer decisões do Conselho de Ética que poderiam levar à cassação de seu mandato e uma possível prisão.

Essa politica pequena, cheia de artimanhas e imundices que dá nojo a qualquer um, apesar de não trazer nenhum ar de entusiasmo aos que lutam por um mundo melhor, merece e muita nossa atenção porque dela temos muito desdobramentos que afetarão diretamente a vida em especial dos trabalhadores brasileiros.

Antes de mais nada é preciso entender que o que está em curso no Planalto Central é sim, um golpe. Não um golpe com os tanques nas ruas a la 1964 mas um golpe parlamentar. É bem verdade que não existe interesse da grande burguesia nacional ou internacional, muito menos da Casa Branca, em um processo de interrupção do governo Dilma em meio a uma grande crise econômica mundial. Mas Eduardo Cunha à frente do Congresso Nacional é um elemento absolutamente imponderável no cenário político brasileiro e sequer escrúpulos tem para jogar às favas. Sendo assim, o golpe ou ao menos sua tentativa, está sim em curso.

Mas se está previsto na Constituição por que seria um golpe?

Simplesmente porque não existe motivo plausível para um impedimento por dentro das regras normais do jogo democrático burguês. As tais pedaladas fiscais nem de longe são razão para tanto. Se fossem FHC não poderia ter completado seu mandato e Temer também precisaria ser impedido. No fim das contas a questão não é técnica ou legal, é política. O governo não governa, não tem apoio do parlamento, nem muito menos popularidade, mas nada disso é motivo para impeachment. Poderia ser motivo para os trabalhadores tomarem as ruas, fazer greve geral e assim fazer cair o governo através de um renúncia. Mas para impeachment de fato não há base.

Então, estamos diante de um golpe e ponto. Não que ele vá ser vitorioso, até porque não existem votos suficientes na oposição de direita para impô-lo (são necessários 2/3 dos deputados e o governo tem um pouco mais de 1/3 a seu lado), mas devemos ter ao menos o cuidado de chamar as coisas por seus nomes.

Mas será que no fim das contas o resultado do golpe seria ruim para a classe trabalhadora brasileira? Não seria melhor logo dar um fim nesse governo inerte e colocar um outro no lugar? Será que até mesmo para destravar as lutas não seria interessante deixar de ter o PT e a figura do Lula, com a UNE, UBES, MST, CUT e um monte de sindicatos funcionando como camisa de força das lutas sociais? Será que não estamos diante de um daqueles males que vem pra bem?

A resposta é sinceramente um grande NÃO.

O fato de sabermos que Dilma governa para os ricos não quer dizer que seu governo é simplesmente igual a qualquer outro governo burguês. Nenhum governo burguês é igual ao outro, simples assim. Existem, por exemplo, governos com mais ataques às liberdades democráticas e governos com menos ataques. Isso não quer dizer que eles deixam de ser burgueses porque por exemplo, apoiam a legalização da maconha, a legalização do aborto ou o casamento homossexual. Nada disso. Não é isso que determina seu caráter de classe. O governo Dilma é terrível e precisa ser derrotado, mas não é possível que tenhamos dúvida que um governo Temer será pior e um governo Cunha, ainda mais. Tirar Dilma e deixar assumir Temer ou Cunha é defender que os trabalhadores sejam ainda mais atacados. É preparar um imenso infeliz 2016 com uma nova reforma da previdência, privatização da Petrobras, privatização do SUS, privatização da rede pública de ensino, aprovação do PL 5069 e por aí vai. Ou seja será levar à hipervelocidade a precarização da vida do povo pobre e trabalhador do país.

Nada mais justo pensar então que neste cenário o correto é chamar o FORA TODOS e novas eleições gerais, não é mesmo? Não, não é. Palavras de ordem precisam levar em consideração a correlação de forças e não levantamos palavras de ordem deste tipo, palavras de ordem para a ação, se não houver como colocá-las em ação. Levantar a hipótese de eleições gerais neste momento, onde não está em curso nenhuma grande mobilização popular para derrotar o governo, é simplesmente abrir a possibilidade que o atual Congresso reacionário seja substituído por outro ainda mais a direita.

Quanto ao PT, CUT e companhia é preciso que se diga que NÃO há como resgatá-los para as lutas sociais. Em outras palavras isso significa dizer que eles seguirão sendo camisas de força, ainda que por fora do governo. O melhor local para enfrentá-los e varrer sua influência sobre o movimento de massas é exatamente onde eles estão: no governo central. Mas é preciso a política certa para enfrentar um governo desse tipo e simplesmente torcer para que eles saiam do governo, seja derrotados em eleições, seja golpeados pela direita parlamentar, é de fato se negar a fazer política, se abster da tarefa de derrotá-lo, é seguir dando-lhes sobrevida. A classe trabalhadora merece muito mais do que isso.

A esquerda socialista não pode apressar-se em apontar quaisquer consignas mirabolantes. Pés firmes no chão e olhos para frente. É preciso entender os perigos e hierarquizar as tarefas que nos impõe a realidade. Partir da negação ao golpe parlamentar, chamar o povo a seguir engrossando o sentimento de Fora Cunha, construir nas ruas as derrotas ao ajuste de Dilma/Temer/Levy somando-se às lutas reais como a dos secundaristas de São Paulo e chamar a não se depositar nenhuma confiança nesse governo de arrocho, retirada de direitos e desemprego. Esse sim, é um bom caminho.

domingo, 6 de dezembro de 2015

"Quem disse que algum dia foi fácil?" nos pergunta Badaró via @BlogJunho

O achacador-mor da República e representante dos interesses mais atrasados e reacionários do país, senhor Eduardo Cunha, acatou no dia 02/12 ser admissível o pedido de impeachment de Dilma Roussef. Fez isso às vésperas de ver seu mandato cassado e em represália ao fim da proteção que o PT vinha lhe dando. O ato praticamente é a cereja no bolo do mandato do deputado na presidência da Câmara dos Deputados e é, ou ao menos deveria ser, a virada para o clímax da ofensiva direitosa de 2015.

Rapidamente setores da esquerda socialista sacaram de seus arsenais as saídas para a crise institucional. O PSTU demonstrou-se o mais ágil e deu um salto do seu até então "Chega de Dilma, etc, etc, etc", um Fora Dilma disfarçado, para uma nova versão do "Fora Todos" de 2005 aliada ao "Eleições Gerais" de 1992. O MRT, antiga LER-QI, também não demorou muito a pronunciar-se e abraçou também a causa do "Fora Todos" com a diferença de estar aliada à bandeira da Assembleia Constituinte, leia-se reforma política. Aos poucos vozes menos apressadas da esquerda socialista deixam suas contribuições ao momento como nosso indispensável professor Ênio Bucchioni relembrando Trotsky e o terceiro período na Alemanha.

Outra voz na esquerda socialista que deixou sua contribuição ainda no dia 03/12, foi o professor Marcelo Badaró Mattos, com texto publicado no Blog Junho que faz um apanhado geral do ponto onde estamos e que vale muito a leitura.

Bom proveito.

Do ponto onde estamos: uma leitura sobre o momento atual da luta de classes no Brasil


A situação atual confirma as muitas avaliações de que junho de 2013 abriu um novo momento na luta de classes no Brasil.[1] As mobilizações multitudinárias, àquela altura, colocaram em cheque o “sucesso” do modo lulopetista de governar. Se a polarização eleitoral de 2014 rendeu ao governo capitaneado pelo PT a possibilidade de recompor bases sociais de apoio, tendo por mote o voto no “menos pior” (face ao medo do retorno do tucanato) e uma certa radicalização discursiva da candidatura de Dilma, o acirramento da crise capitalista, ao obrigar o governo a uma reorientação da política econômica, desvelou as máscaras: às favas com as fachadas neodesenvolvimentistas e volta à carga pesada do arsenal neoliberal clássico – juros elevados, mais retirada de direitos, cortes orçamentários nas áreas sociais e privatizações em cascata.

Aproveitando o clima da ressaca pós-eleitoral com o governo petista, a direita política mais radical lançou-se às ruas, no primeiro semestre deste ano, buscando capitalizar os descontentamentos, especialmente dos setores médios, com as políticas anti-populares do início do segundo mandato de Dilma.[2] Um descontentamento, diga-se de passagem, já manifesto em São Paulo (que se tornaria o epicentro da efervescência reacionária) desde as eleições, conforme indicou a queda da votação petista mesmo nos seus “bastiões” tradicionais.

A onda coxinha tinha respaldo parlamentar. De aliança em aliança para ampliar a “base de apoio” no Congresso, o governo petista conseguiu a proeza de se eleger com o Congresso de perfil mais retrógrado da história recente do país, elevando o status de figuras nefastas como Eduardo Cunha, que assumiu a presidência da Câmara e de fascistas assumidos como Jair Bolsonaro que capitalizou a situação como figura pública da reação (ou “mito” da coxinhada). Ambos eleitos por partidos da “base aliada” diga-se de passagem. Na combinação das mobilizações reacionárias com as articulações da bancada BBB (bala, boi e bíblia) criou-se o espaço para o avanço da “pauta conservadora” no Congresso – redução da maioridade penal, limitações ainda maiores ao aborto, estatuto da família, etc. – que despertou e tem despertado resistências importantes. Sintomaticamente, porém, percebe-se que se a “pauta conservadora” avança, mas encontra resistências internas no congresso – permanece congelada no Senado -, as medidas de austeridade do “ajuste fiscal”, com toda a transferência da carga da crise para o ombro da classe trabalhadora, são aprovadas com agilidade impressionante.

De qualquer forma, as mobilizações coxo-reacionárias do primeiro semestre refluíram, na medida mesmo que os porta-vozes das organizações de classe dos dominantes negaram publicamente o apoio ao “Fora Dilma!”. No entanto, um elevado grau de imponderabilidade no jogo das manobras políticas entre o governo e seus opositores/aliados (oposição política, mas apoio de classe à principal política do governo – o “ajuste fiscal”) se manteve, em decorrência da dinâmica jurídico criminal da “operação lava a jato”, na qual, em troca de algum tempo a menos na cadeia, próceres da burguesia e da gestão do aparelho de Estado acabam por entregar cada vez mais envolvidos em tenebrosas transações com dinheiro público.

Do lado de lá

O consenso até aqui evidente da classe dominante em torno das medidas de austeridade como caminho para o enfrentamento da crise é o elemento fundamental para a avaliação da sustentabilidade ou não do governo Dilma. Tal consenso, porém, não é absoluto ou imutável. As torneiras da combinação dívida pública/juros altos continuam a irrigar os lucros dos bancos e as frações do capital aglutinadas nos fundos de investimento (e todo o capital se garante por essa via, independentemente de sua origem na produção do valor ou na intermediação comercial, de serviços e bancária) continuam a saquear o fundo público à vontade – vide o aumento dos recursos para o FIES (alimentando as grandes corporações finaceirizadas do ensino superior privado) em meio aos cortes no orçamento da educação e a ofensiva para capitalizar o Funpresp (fundo previdenciário complementar para o funcionalismo público). Entretanto, as pressões para uma “flexibilização” do ajuste, para o capital, se ampliam. Com a União e os demais entes federativos sem recursos para continuar sobre-remunerando as empreiteiras (e seus gestores hoje em grande parte encarcerados) nas obras do PAC e mega-eventos; com a desaceleração da economia chinesa abalando as previsões de expansão do agronegócio (que tem se apoiado na desvalorização do real para manter “competitividade”); ou com a brutal queda do consumo de bens de consumo duráveis (20% de retração na produção automobilística) há descontentamentos. É essa pressão que explica os discursos de maior contemporização e ênfase na retomada do crescimento feitos por Joaquim Levy, não a marola dos “neodesenvolvimentistas” do PT. E o previsível agravamento da crise tende a acirrar essas contradições.

Nada indica, entretanto, que a classe dominante ou alguma de suas frações aposte na saída da derrubada de Dilma para substituí-la por um vice peemedebista ou para buscar novas eleições antecipadas em que a imprevisibilidade será a marca. As oscilações recentes no jogo político, portanto, tem origem em outra dimensão de conflitos. É nesse marco que talvez possamos compreender melhor o efeito que poderá ter a admissibilidade do processo de impeachment por Eduardo Cunha, em ato de retaliação explícita pela mudança de posição dos deputados petistas que anunciaram voto pela admissibilidade de processo contra ele na Comissão de Ética (sic.) da Câmara.

Oposição e situação se sentiram realmente ameaçadas foi com as prisões de Delcídio Amaral – líder do governo no Senado atualmente, mas diretor da Petrobrás no segundo mandato de FHC, vale lembrar – e do banqueiro André Esteves – que financiou as campanhas de Dilma, Aécio, Cunha e meio Planalto Central, além de presentear de Lula a Aécio com viagens de luxo e ouros mimos. Diante da disjuntiva entre as grades da cela e a tornozeleira eletrônica nos palácios urbanos em que residem, a opção por delatar alguns comparsas de todas as cores partidárias e devolver uma parcela pequena do botim aos cofres públicos não é assim tão difícil.

Como a reação imediata da volta dos avatares dilmistas nas redes sociais e as comemorações de alguns petistas (que antes diziam que “qualquer impeachment é golpe”[3]) deixaram evidente, o gesto de Cunha tende a ser positivo para o governo, por propiciar uma possibilidade à desgastada Dilma de ampliar sua base de apoio, polarizando contra a figura do presidente da Câmara, cuja reputação é a pior possível. De quebra, ao retirar as prisões da semana passada do centro do noticiário, aliviam-se todos, de Lula a Aécio.

Do lado de cá

O avanço da direita reacionária, inclusive para as ruas, decorre das “jornadas de junho”, mas essencialmente como reação ao caráter de classe – da classe trabalhadora – daquelas manifestações. E o “espírito de junho” não se dissipou completamente, nem pela reação de direita, nem pelos esforços petistas – nas eleições e depois – de reaglutinar as bases de apoio do lulismo. A onda de greves do segundo semestre de 2013 e primeiro de 2014, embalada por mobilizações dos trabalhadores da área de educação e pelas paralisações à revelia, ou contra, das direções sindicais burocratizadas (garis, rodoviários, operários da construção civil, entre outras) foi impulsionada por junho. Como o foram as ocupações urbanas na luta por moradia, muitas delas dirigidas pelo MTST.

Greves na contracorrente das direções sindicais e ocupações urbanas continuaram a acontecer. A elas se somam agora dois movimentos em que o “espírito de junho” parece reviver, com o adendo de que neles não há espaço para a disputa da direção pela direita, visto que sua pauta e perfil são essencialmente de enfrentamento contra a mesma direita: a “primavera das mulheres” e as ocupações de escolas em São Paulo.

O sucesso das campanhas feministas nas redes sociais e as expressivas mobilizações de rua do movimento de mulheres pelo “Fora Cunha!” desnudam o verdadeiro sentido da “pauta conservadora”: preservar a lógica do patriarcado que reveste a dominação social no Brasil face a verdadeira elevação da consciência feminina e social na luta contra o machismo cotidiano em sua brutalidade, hoje cada vez mais difícil de invisibilizar. Por outro lado, dão o sinal para toda a esquerda socialista: unidade de ação em uma pauta progressiva – “Fora Cunha!” e “Pela vida das mulheres” – sem maiores espaços para as pautas governistas mal-disfarçadas em “Defesa da Democracia”.[4]

Já as ocupações de escolas revelam o melhor legado das jornadas de 2013. Jovens, de origem trabalhadora, estudantes da escola pública, que se levantam contra o governo tucano e sua política de desmanche da educação, em uma experiência de ocupação e auto-gestão de escolas que representa objetivamente a possibilidade de formação de uma nova geração de ativistas político-sociais comprometidos com as bandeiras socialistas e experimentados desde cedo na luta. Luta que nos últimos dias vem se acirrando, com os enfrentamentos entre a PM assassina – com seu arsenal “não letal” tão popularizado em junho: spray de pimenta, cacetete, bombas de gás e balas de borracha – e a estudantada armada da mais letal das ferramentas de luta de que dispõe: as carteiras escolares, hoje usadas para simbolizar o que a escola não é, mas poderia ser.[5]

Aos militantes da esquerda socialista não há alternativa a não ser apostar na multiplicação dessas lutas. Mas, com que perspectivas e programa de intervenção?

Nosso lugar

Estar inseridos nas lutas em curso, nesta conjuntura, é a obrigação. Essa predisposição, por certo, nem de longe resolve nossos problemas. Como atuar e com que propostas?

De uma lado, reatualiza-se a necessidade da construção de uma frente da esquerda socialista, reunindo suas organizações políticas e os movimentos sociais mais combativos e de perspectiva classista, para intervir de forma articulada nos movimentos (e não apenas nos cenários e momentos eleitorais, embora nem isso tenha sido possível nos últimos tempos). A elevação do patamar de lutas, com a unificação dos movimentos regionalizados e fragmentados em pautas setoriais, exige a formação de um polo combativo mais amplo.

Além disso, para levar adiante bandeiras essenciais nessa conjuntura – como a greve geral contra o ajuste fiscal e a retirada de direitos dos trabalhadores – precisaremos construir unidade na luta até mesmo com os setores da burocracia governista nos movimentos sindical e “popular”, o que dependerá mais que tudo da pressão de “suas” bases. No entanto, só teremos força de pressão e capacidade convocatória sobre essas bases para levar adiante tais bandeiras, com autonomia e representatividade, se construirmos uma atuação conjunta da esquerda socialista, costurada por um acordo em torno de um programa comum de intervenção.

Essa perspectiva não pode ser confundida com a proposta de uma frente de movimentos e forças políticas que inclua as organizações que dão sustentação ao governo que executa as medidas do ajuste fiscal. Esse parece ser o caso da “Frente Povo sem Medo” que, embora respaldada na respeitabilidade adquirida na luta pelo MTST, possui o efeito de sustentar a ilusão de que é possível combater o ajuste em uma aliança estável com a burocracia dirigente, que no dia a dia representa um dique de contenção da classe trabalhadora. Se do ponto de vista tático-imediato, a participação nas atividades convocadas por tal “Frente” pode representar um instrumento de resistência em situações regionais como a do “Tucanistão” paulista, no plano da conjuntura de média duração e em outras realidades regionais em que a capacidade de vertebração do MTST inexiste (sendo a “Frente” é um mero slogan do aparato governista), o apoio a esse instrumento cumpre o papel objetivo de confundir as lutas da classe trabalhadora.

Por outro lado, será necessário construir um programa de intervenção imediata que se ancore da luta realmente existente – como o movimento de mulheres e as ocupações de escolas, aos quais certamente se somarão movimentos de servidores estaduais em situação de parcelamento salarial e atraso do 13o. em diversas unidades da federação, entre outros – para propor alternativas dos trabalhadores para a crise. Não nos cabe receitar o programa completo, substituindo o papel dos protagonistas reais das lutas, nem tampouco lançar do alto palavras de ordem – como o “Fora todos!” – na suposição de que terão aderência automática em lutas que estamos distantes de dirigir, sob o risco de sermos tomados por oportunistas na esquerda, ou confundidos com a direita pelo senso comum.

Mas, quem disse que algum dia foi fácil?

[1] Ver http://blogjunho.com.br/junho-e-nos-das-jornadas-de-2013-ao-quadro-atual/ & http://blogjunho.com.br/os-sentidos-de-junho/
[2] Ver https://capitalismoemdesencanto.wordpress.com/2015/06/01/tropa-de-elite-do-neoliberalismo-1-a-nova-direita-brasileira-e-suas-conexoes-transnacionais/ & artigos subsequentes no mesmo blog.
[3] http://www.correiodobrasil.com.br/altman-pedido-de-impeachment-e-boa-noticia/
[4] Ver http://blogjunho.com.br/pl-50692013-um-retrocesso-historico-para-as-mulheres-brasileiras/
[5] http://blogjunho.com.br/a-geracao-que-educou-seus-educadores/


quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Ênio, Trotsky, Alemanha e Brasil em tempos de impeachment


Nosso indispensável professor "Ênio Bucchioni" realizou hoje uma postagem em sua página do Facebook trazendo a tona a posição de Trotsky para Alemanha no terceiro período, momento trágico em que os comunistas sob mando de Stalin não só não combateram Hitler como tiveram a capacidade de praticamente aliar-se a eles na luta contra o "social-fascismo" na linha de por para fora o governo social-democrata de Baun.

A comparação é mais do que pertinente no momento em que setores da esquerda socialista adotam a mesma linha, com alguns retoques de cores diferentes mas a mesma linha, acerca da continuidade ou não do governo de Dilma Roussef.

Vale a leitura e a reflexão.

Trotsky e o 3° período na Alemanha


1- Desde 1928 até meados da década de 30, o stalinismo se orientou pela linha política do chamado terceiro período, onde sinteticamente, previam o fim imediato do capitalismo e por surtos revolucionários em todos os países do mundo.

2- Aqui no Brasil o PCB gerou a chamada Intentona Comunista de 1935, um putch militar sem a participação do proletariado e das massas exploradas e oprimidas e que culminou com uma tremenda repressão em todo o movimento de massas e na vanguarda por parte do governo de Getúlio Vargas.

3- O stalinismo inventou o termo social-fascismo para intitular a social-democracia. Diziam que ela era socialista nas palavras e fascista nos atos. Diziam que fascismo e social-democracia eram irmãos gêmeos.

3 - Em março de 1931, nazistas e comunistas se aliam em um plebiscito sobre a dissolução antecipada do governo da Prússia, uma posição chave controlada pelos reformistas da social-democracia comandados por Baun. Os nazistas batizam o plebiscito de plebiscito marrom, e os comunistas stalinistas , de plebiscito vermelho. Ambos colocavam o 'Fora Braun'. Os 25 milhões de votos necessários para a dissolução do governo regional da Prússia não são atingidos, mas a campanha fortalece enormemente o Partido Nazista, que sai do processo com grande autoridade.

4- Sobre esse plebiscito Trotsky escreveu no livro Revolução e Contra- Revolução na Alemanha; “ Sair às ruas com a palavra de ordem “Abaixo o governo Bruening-Braun!” quando segundo a relação de forças esse governo só pode ser substituído por um governo Hitler – Hugenberg, é puro aventureirismo. A mesma palavra de ordem adquire, entretanto, sentido inteiramente diverso se se torna uma introdução à luta imediata do próprio proletariado pelo poder. No primeiro caso, os comunistas teriam aparecido aos olhos das massas como auxiliares da reação.

5- Na página seguinte desse mesmo livro, Trotsky escreveu: “ Durante a demonstração de abril de 1917 de 1917, uma parte dos bolcheviques lançou a palavra de ordem ;”Abaixo o governo Provisório”, O Comitê Central logo chamou à ordem os ultra-esquerdistas. Devemos, bem entendido, propagar a necessidade de derrubar o governo provisório; mas, não podemos ainda chamar as massas à rua por essa palavra de ordem, pois ainda estamos em minoria na classe operária. Se, nessas condições, conseguirmos derrubar o governo provisório, não o poderemos substituir e, por conseguinte, auxiliaremos a contrarrevolução...Tal foi a posição do Partido.

6- Talvez haja alguma semelhança entre essa história acima e a situação do Brasil em 2015. Talvez!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

"Como a ‘liberdade sexual’ me levou ao abuso" via @revistaazmina


O texto a seguir é uma reflexão anônima postada no portal "revista AzMina" extremamente pertinente em tempos de primavera feminista.

Virou lugar comum e quase que exclusivo a bandeira de liberdade do corpo e liberdade sexual entre o movimento feminista. Em todos os atos é possível ler "meu corpo, minhas regras" estampados em faixas, cartazes e na própria pele. É um debate importante já que estamos lidando com tanta opressão e repressão, mas na medida em que é elevado ao topo do pódio das causas feministas, assume um papel reducionista e no fim rouba o protagonismo das lutas concretas do dia a dia. Quem corre risco de morte abortando clandestinamente precisa de conquista na forma da lei e não somente de poesia. Da mesma forma quem não tem onde deixar os filhos para trabalhar, quem ganha menos e trabalha mais, quem é assediada pelo patrão, quem é abusada no transporte coletivo precisa de mecanismos reais muito além de solidariedade e de memes no facebook.

O texto anônimo faz um contraponto a essa busca incessante por liberdade sexual não como fruto do feminismo mas como própria afirmação e até mesmo vitória do machismo, onde a liberdade sexual não liberta e sim, aprisiona mulheres fundamentalmente na busca do prazer do homem e para o homem.

Vale demais a leitura.

Como a ‘liberdade sexual’ me levou ao abuso


Eu sou uma mulher livre, sexualmente liberada, toda bem resolvida, sem vergonhas, sempre disposta a criar e inovar no sexo, uma transona. Ou melhor, isso é o que eu achava que eu era.

Afinal, eu adorava transar, ser sexy, fazer mil coisas na cama, sair com vários caras, vê-los pirando por mim, ficando loucos, ser a gostosona que leva os homens à loucura. Pobre de mim, que gastei anos da minha vida achando que isso é liberdade. Na verdade, é o contrário de ser livre.  Basta ler com atenção para entender o porquê.

Ser sexy, fazer os caras pirar, ser a gostosona que leva homens à loucura… Tudo isso é para eles. E eu não percebia que, no fundo, eu nunca prestava atenção em mim. Tanto que mal consigo lembrar da maior parte das minhas transas.

E em algum momento aí no meio do caminho, eu comecei a sentir dor no sexo. Na minha fase solteira mais libertária. Mas eu continuei transando, dando prazer pros homens, fazendo de tudo para deixá-los malucos. Se eu sentia prazer? Não sei, às vezes sim, às vezes não.

Mas isso era normal, não? Não é que mulher não goza sempre? Eu sempre acreditei nisso. Se eu não gozava, ah, normal! Gozar sempre é coisa de homem. E quando eles não gozavam, eu me sentia culpada. Alguma coisa eu tinha feito de errado.

Engraçado é que eu me senti por muito tempo absurdamente livre por ser assim. Por ter vibrador, por me masturbar, por transar muito, por topar anal, por fazer estripulias na cama. E a dor, bem, ela era a companheira. Compensava, na minha cabeça.

Até que eu comecei a namorar, o namoro evoluiu e caminhava para ser uma relação duradoura. Eu queria muito que fosse duradoura e incrível. Mas, com a rotina, era cada vez mais difícil eu me sentir incrível, a rainha do sexo, e a dor foi ganhando espaço na minha cabeça.

Então, eu decidi tratar a dor, para poder ter uma vida sexual incrível com o homem que amo e manter nossa relação funcionando. Passei por médicos, fiz exames e muitas coisas. Descobrimos que nada de errado havia ali na minha linda vagina. O problema estava na minha cabeça.

Era preciso fazer terapia. Foi só ali, no divã, que eu entendi que de livre eu não tinha nada, nunca tive. Ela nunca me falou isso assim, mas ao longo do processo terapêutico, eu percebi que sexo para mim era totalmente sobre dar prazer ao homem. Sobre ser desejada, sobre sentir que eu tinha algum valor para aquele homem. Nada era sobre mim, meu corpo, meu prazer. Até mesmo deixar de sentir dor tinha sido algo para o outro, pra garantir que eu não deixaria de transar e assim manteria meu relacionamento.

De repente, me dei conta de que nem conhecia minha vagina. Na teoria, sabia tudo, mas eu nunca havia parado para me masturbar de formas diferentes das que sempre fazia. Aos 27 anos de idade, eu não sabia dizer o que me estimulava, o que me excitava, quais partes do meu corpo e da minha vagina me deixavam com tesão. Em compensação, sabia completamente como dar prazer a um homem, chupar do jeito certo, dar de quatro pra ele gozar rápido, gemer de um jeito excitante, escolher as lingeries que mais seduzem.

A origem disso tudo? Um mix de coisas. Eu sou insegura, tenho a autoestima baixa, não me sinto boa em nada. E de repente, transando, comecei a me sentir boa fazendo uma coisa: dando prazer. Eu nunca consegui me autorreconhecer. Eu preciso do reconhecimento do outro, e, pra mim, isso tem vindo dos homens. E quando não vem, eu me sinto um lixo.

Eu poderia dizer que isso é um fruto da minha criação, de como eu me formei, construí minha autoestima. Mas a verdade é que, por trás disso, está o machismo. Como toda menina, eu fui criada querendo ser linda. Da minha mãe, das minhas amigas, de todo mundo, eu ouvia que precisava ser bonita para arrumar namorado, pra não ficar sozinha pra sempre. Os filmes, as revistas, as novelas, tudo sempre me dizia que eu precisava conquistar os homens.

Como eu sempre quis ser livre, fugir das amarras, achei que me liberar sexualmente era um jeito de fugir dessa coisa de que eu precisava de UM homem para ser feliz. Mas continuou dentro de mim a lógica de que eu precisava agradar OS homens, pra me sentir valorizada.

Some a isso o fato de que, por mais que se fale sobre sexo, pouco se fala sobre o prazer. Quantas amigas não comentavam suas estripulias: quantas vezes na mesma noite conseguiu fazer o cara transar ou gozar, como fulano disse que ela chupava incrivelmente bem, como transou no lugar xis ou ípsilon. Pouquíssimas eram as vezes em que alguma mulher dizia “eu gosto disso ou daquilo”. E quando rolava, era uma coisa tão superficial, cheia de tabus e medos.

Claro que, nisso tudo, meu prazer ficou de lado, completamente esquecido. Eu não me tocava de verdade, eu não me olhava, eu não sentia.

Por que eu sinto dor? Essa é a pergunta que mais me tenho feito ultimamente.

Sinceramente, não sei responder com 100% de certeza. Já cogitei que tenha sido abusada sexualmente em algum momento, bêbada demais para me lembrar. Hoje estou mais propensa a pensar que sim, fui abusada, mas não no sentido mais literal da coisa. Fui abusada por mim mesma e pelo machismo, porque me deixei convencer de que era o certo e o normal. Porque fingi orgasmos, porque transei sem vontade, porque enchi a cara pra conseguir abrir as pernas, porque seduzi caras e fiz sexo simplesmente pra me sentir desejada, sem sentir prazer algum, porque abri mão dos meus desejos pra satisfazer os dos outros.

Nenhum homem nunca me estuprou, nunca abusou de mim, mas eu me deixei ser abusada por todos. E, neste momento, eu não culpo esses homens, até porque vários deles queriam mesmo me agradar. Como eles iam saber o que eu sentia e pensava, se eu não falava nem demonstrava? É claro que todos estavam preocupados com o próprio prazer.  Eu é que devia ter me preocupado mais com o meu prazer e é isso que estou tentando fazer.

Como disse a minha (santa) psicóloga: o prazer não vem do outro, ele está dentro de nós. Claro que o sexo é algo a dois (ou mais) e que todos ali querem ver todos felizes, ou deveria ser assim. Mas antes de querer dar prazer, eu precisava ter aprendido a sentir prazer. Isso sim é ser livre: saber gozar, do meu jeito, independente de alguém estar ficando louco ou me achando sexy.